“RECURSO ESPECIAL N.º 341.405-DF

REL.: MIN. NANCY ANDRIGHI

EMENTA – O CDC dispõe que toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produzidos e serviços oferecidos ou apresentados, desde que suficientemente precisa e efetivamente conhecida pelos consumidores a que é destinada, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, bem como integra o contrato que vier a ser celebrado.

Se o fornecedor, através de publicidade amplamente divulgada, garantiu que os imóveis comercializados seriam financiados pela Caixa Econômica Federal, submete-se a assinatura do contrato de compra e venda nos exatos termos da oferta apresentada.”

(STJ/DJU de 28/4/03, pág. 198)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma, relatora a ministra Nancy Andrighi, que a empresa que vincula em sua propaganda que os imóveis a serem comercializados seriam financiados pela Caixa Econômica fica obrigada a financiar o saldo devedor nas mesmas condições e prazos de financiamento concedidos pela CEF.

Consta do voto do relator:

Impõe-se o conhecimento dos recursos especiais interpostos, porquanto presentes os requisitos indispensáveis a sua admissibilidade.

A questão posta a desate pelos recorrentes consiste em aferir se a oferta publicitária veiculada pelo recorrido reveste-se de força vinculativa, nos termos preconizados pelo Código de Defesa do Consumidor. As práticas comerciais abrangem as técnicas e métodos utilizados pelos fornecedores para fomentar a comercialização dos produtos e serviços destinados ao consumidor. Acabam, pois, por alimentar a sociedade de consumo. Entre essas encontra-se o marketing, que além dos mecanismos de incentivo às vendas (liquidações, promoções, descontos, cupons, ofertas combinadas, etc.), corresponde também a publicidade.

Na medida em que, na sociedade de consumo, as relações jurídicas travadas ascendem do nível pessoal ao social, inserindo em seu contexto interesses comuns, se tornou imperiosa a intervenção do Estado nessas relações de modo a compatibilizar o direito à utilização do marketing pelo fornecedor com a defesa do consumidor.

A publicidade realizada pelo fornecedor tem o objetivo de divulgar seus produtos e/ou serviços e ofertá-los aos consumidores. A oferta, nesse caso, difere da oferta a que faz alusão o art. 1.080 do CC. Porquanto destinada à sociedade de consumo, fez-se necessário atribuir à publicidade certo valor contratual, ainda que não fosse instrumento do contrato e tivesse mero conteúdo indicativo.

Atento à possibilidade de que a veiculação desvirtuada da publicidade viesse a prejudicar os consumidores, o legislador assegurou a tutela da sociedade de consumo através do preceito legal insculpido no art. 30 do CDC, verbis:

“Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.

Trata-se do princípio da vinculação, um dos princípios informadores do marketing, que se aplica não somente à oferta, mas também à publicidade. Segundo o escólio de Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin (Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária, 1995, pp. 176-177),

“dois requisitos básicos devem estar presentes para que o princípio atue. Em primeiro lugar, inexistirá vinculação se não houver `exposição’. Uma simples proposta que, mesmo colocada no papel, não chegue ao conhecimento do consumidor, não obriga o fornecedor. Em segundo lugar, a oferta (informação ou publicidade) deve ser suficientemente precisa, isto é, o simples exagero (puffing) não obriga o fornecedor.

(…)

A vinculação age de duas maneiras: obrigando o fornecedor mesmo quando ele se nega a contratar ou, diferentemente, introduzindo-se em contrato eventualmente assinado.”

No caso sub examen, consta do recibo de sinal firmado pela recorrente Nádia Maria Lima Pereira que o financiamento do valor restante a ser pago pelo imóvel será financiado pela CEF, nos seguintes termos: “Declara ainda concordar que o saldo restante seja financiado pela Caixa Econômica Federal – Filial de Brasília (grifo no original), cujo valor será utilizado para amortização do seu saldo devedor junto à CEF, bem como os recursos utilizados do FGTS, quando da apresentação do traslado da escritura, devidamente registrada no RGI competente.” (fl. 44 dos autos da ação cautelar)

Consta também do panfleto veiculado pelo recorrido a mesma afirmação, o que vem a corroborar o fato de que efetivamente houve publicidade no sentido do financiamento exclusivo pela CEF. Confira-se à fl. 244 dos autos da ação cautelar que, além da destacada expressão “financiamento Caixa Econômica Federal”, utilizando-se, inclusive, da logomarca da aludida empresa pública, ainda ressalvou-se: “financiamento garantido”.

Verifica-se, pois, que a oferta foi suficientemente precisa, sem qualquer exagero ou absurdidade, e chegou ao conhecimento dos recorrentes que, seguros da possibilidade de adquirirem um imóvel nos moldes preconizados pelo recorrido, firmaram contrato de compra e venda das unidades residenciais. Isso certamente não teria ocorrido se tivessem conhecimento de que apenas parte do financimento seria concedido pela CEF.

Outrossim, é de se ressaltar que o fornecedor, quando da divulgação de publicidade atinente aos produtos e/ou serviços que comercializa, deve agir com o mínimo de prudência, de modo a clarificar para o consumidor em que condições reais o negócio se realizará.

Não prospera a afirmação do recorrido de que não dependeria desse a aprovação do financiamento junto à CEF, porquanto a veiculação do panfleto acerca do produto oferecido criou legítima e inquestionável expectativa para os recorrentes.

Ciente do fato de que não teria possibilidade de conceder os financiamentos da forma que anunciara, deveria o recorrido ter agido com cautela na divulgação da publicidade, apondo na peça informativa a ressalva de que a obtenção do financiamento estaria condicionada à aprovação do agente financeiro.

Dada a força vinculativa da oferta divulgada pelo recorrido, aplica-se ao caso em análise o art. 35, I, do CDC, nos termos do pedido formulado pelos recorrentes da petição inicial (fls. 02/17).

Forte em tais razões, CONHEÇO dos presentes recursos especiais pelas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, e DOU-LHES PROVIMENTO para julgar procedentes os pedidos formulados pelos recorrentes, restabelecendo-se a r. sentença.

Deverá o recorrido financiar o restante do saldo devedor dos imóveis adquiridos nas mesmas condições e prazos de financiamento concedidos pela CEF, inclusive no que diz respeito ao plano de equivalência salarial, desde que os mutuários preencham os requisitos estabelecidos pela CEF, entre esses o de possuir renda compatível com o financiamento.

As parcelas já pagas devem ser abatidas do saldo devedor a ser financiado pelo recorrido, devendo a sua atualização acompanhar a mesma regra de atualização do saldo devedor remanescente.

Custas processuais e honorários advocatícios são devidos nos termos fixados pela r. sentença de fls. 156/173.

É como voto.

Decisão por maioria, votando com a relatora os ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Carlos Alberto Menezes Direito.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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