“RECURSO ESPECIAL N.º 443.208-RJ

REL.: MIN. NANCY ANDRIGHI

EMENTA

– A inversão do ônus da prova não tem o efeito de obrigar a parte contrária a arcar com as custas da prova requerida pelo consumidor. No entanto, sofre as conseqüências processuais advindas de sua não produção.”

(STJ/DJU de 17/3/03, pág. 226/227)

C.E.B.P. propôs ação de conhecimento sob o rito ordinário em face do Banco ABN Amro Rela S/A, com o objetivo de obter a revisão judicial de cláusulas constantes de contrato de abertura de crédito em conta corrente (cheque especial).

Nesse processo, o d. Juízo a quo indeferiu pedido de inversão do ônus da prova formulado pelo recorrente.

Inconformado, interpôs agravo de instrumento com o fito de impugnar o r. despacho com conteúdo decisório prolatado.

O eg. Tribunal a quo deferiu o pedido. Contudo, atribuiu ao recorrente a responsabilidade pelo pagamento dos custos decorrentes da produção probatória. O v. acórdão restou assim ementado:

“Agravo Regimental. Decisão da relatora que negou seguimento ao agravo de instrumento nos termos do art. 557 do CPC.

Mantém-se a negativa do seguimento do agravo de instrumento, visto que o recurso se opõe à decisão que encontra amparo em dominante jurisprudência deste Tribunal, conforme dá conta o Enunciado Cível n.º 10, pois a inversão do ônus da prova não implica a reversão do custeio.

Decisão atacada que se mantém.”

Irresignado, o recorrente interpôs recurso especial, com fulcro no art. 105, inc. III, alínea “a” da Constituição Federal, sob a alegação de ofensa ao art. 6.º, VII, do CDC.

Em síntese, afirma que a inversão do ônus da prova implica necessariamente na inversão da responsabilidade pelo custeio das despesas decorrentes de sua produção.

Na instância extraordinária, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma, relator a ministra Nancy Andrighi, não conheceu do recurso com os seguintes fundamentos:

Voto

A questão posta a desate pelo recorrente em aferir se a parte sobre a qual recai a inversão do ônus da prova é responsável pelo pagamento das despesas decorrentes de sua produção.

O Código de Defesa do Consumidor possibilitou a inversão do ônus da prova para facilitar o direito de defesa do consumidor, que se encontra em posição desprivilegiada em relação ao fornecedor.

Isso porque, em muitos casos, a produção probatória pelo consumidor seria impossível em virtude de deficiências técnicas, do desconhecimento de dados específicos sobre o produto ou serviço consumido ou mesmo da impossibilidade econômica de custeá-la.

No entanto, constatada a hipossuficiência do consumidor e determinada a inversão do ônus da prova, não se pode imputar ao fornecedor a responsabilidade pelo pagamento das despesas decorrentes de sua produção.

Na verdade, o deferimento do pedido de inversão do ônus da prova implica, tão-somente, na transferência ao fornecedor da obrigação de provar o seu direito para elidir presunção que passou a viger em favor do consumidor.

Assim sendo, na hipótese de inversão do ônus da prova, não é o fornecedor responsável pelo pagamento de prova requerida pelo consumidor. Contudo, há de sofrer as conseqüências processuais por não produzi-la.

A mesma questão restou igualmente dirimida no Recurso Especial 435.155, rel. min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 11.2.03.

Convém também asseverar que o ônus do pagamento de perícia requerida por parte hipossuficiente e a inversão do ônus da prova não se confundem.

A primeira hipótese cuida da incidência do art. 3.º, V, da Lei 1.060/50 e dispensa a parte hipossuficiente, beneficiária da assistência judiciária gratuita, do pagamento dos honorários de perito.

A segunda disciplina a inversão do ônus da prova a pedido do consumidor. Nessa situação, não se pode dizer que o ato de inverter o ônus da prova transfere ao fornecedor o ônus de suportar o pagamento dos honorários de perito.

A inversão do ônus da prova não tem o efeito de obrigar a parte contrária a arcar com as custas da prova requerida pelo consumidor. No entanto, sofre as conseqüências processuais advindas de sua não produção.

Forte em tais razões, não conheço do presente recurso especial.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito.

Processual Penal. Defensor leigo não habilitado. Nulidade absoluta

“HABEAS CORPUS N.º 18.227 – AM

REL.: MIN. PAULO GALLOTTI

EMENTA – 1. Não observa os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa o exercício de defesa técnica por defensor leigo não habilitado nos quadros da OAB, ainda que nomeado por força de instrução normativa editada por Tribunal de Justiça do Estado.

2. Ordem concedida.”

(STJ/DJU de 1/7/02, pág. 401)

No Estado do Amazonas, o Tribunal de Justiça editou a instrução normativa n.º 001/96, autorizando a defesa dos acusados por defensores leigos nas comarcas do interior do Estado em que não existem advogados.

Em “habeas corpus” impetrado junto ao Superior Tribunal de Justiça por paciente que fora defendido dessa maneira, por pessoa não habilitada nos quadros da OAB, a Corte Superior através de sua Sexta Turma, relator o ministro Paulo Gallotti, proclamou a nulidade absoluta do processo.

Consta do voto do relator:

O Senhor Ministro Paulo Gallotti (Relator): A defesa técnica é exigência constitucional contida no princípio do devido processo legal. Deve, portanto, ser exercida por defensor regularmente habilitado nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.

Lecionam Grinover, Scarance e Gomes Filho, em As nulidades do processo penal, 7.ª edição, RT, São Paulo, 2001:

“A defesa, no processo penal, apresenta-se sob dois aspectos: defesa técnica e autodefesa.

A primeira é sem dúvida indisponível, na medida em que, mais do que a garantia do acusado, é a condição de paridade de armas, imprescindível à concreta atuação do contraditório e, conseqüentemente, à própria imparcialidade do juiz. Por isso, a Constituição de 1988 considera o advogado indispensável à administração da Justiça (art. 133) e estrutura as defensorias púlicas (art. 134).

Tão essencial é a defesa técnica que, em alguns ordenamentos – como o italiano -, não se permite a dispensa da defesa técnica exercida por terceiro, nem mesmo quando o acusado possui habilitação profissional.”

In casu, verifica-se que a defesa dos pacientes foi realizada por pessoas não habilitadas nomeadas pelo Juízo da Comarca de Boa Vista do Ramos em atendimento à Instrução Normativa n.º 001/96, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, que autoriza a prestação jurisdicional por defensores leigos nas comarcas do interior do Estado onde não haja advogado.

A toda evidência, o aludido ato normativo interno não pode sobrepor-se aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da amplitude da defesa, sem dúvida, não observados na espécie.

Em hipótese semelhante, esta Corte decidiu no julgamento do RHC n.º 11.251, também oriundo do Estado de Amazonas (relator o ministro Gilson Dipp, DJU de 8/10/2001):

“Criminal. RHC. Furto. Nulidade. Ausência de defesa. Defensor nomeado pelo juízo não inscrito na OAB. Súmula n.º 523/STF. Ordem concedida.

Reconhece-se a nulidade do processo criminal instaurado contra o paciente, se evidenciado que o defensor nomeado para a realização da defesa do paciente não possuía registro na Ordem dos Advogados do Brasil, não se podendo saber, inclusive, se era bacharel em Direito, e se demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo, ante a não-apresentação de apelação criminal contra a sentença condenatória. Reconhece-se o excesso de prazo na custódia do réu, se os autos dão conta de que o mesmo enconta-se preso desde 5/2/1999. Recurso provido para anular o processo criminal desde o recebimento da denúncia, determinando que seja assegurada a devida defesa técnica ao paciente e a expedição de alvará de soltura em seu favor, se por aí não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo MM. juiz de 1.º grau.”

Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus para declarar a nulidade da aludida ação penal a partir das defesas prévias inclusive, assegurando-se a existência de defesa técnica aos pacientes, que devem ser postos em liberdade, se por outro motivo não estiverem presos.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Fontes de Alencar, Vicente Leal, Fernando Gonçalves e Hamilton Carvalhido.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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