Falsidade praticada com o fim exclusivo de lesar o fisco, viabilizando a sonegação do tributo. Absorção.

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA N.º 97.342-PR
Rel.: Min. Jorge Mussi
EMENTA

1. Cometida a conduta descrita no art. 299 do Código Penal com a finalidade de suprimir ou reduzir tributo, fica absorvido o delito de falsidade eventualmente perpetrado, pois praticado como meio para a consecução do crime-fim (sonegação fiscal).
CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1.º DA LEI 8.137/90. DELITO MATERIAL. CONSUMAÇÃO. LOCAL DO EFETIVO PREJUÍZO SOFRIDO PELO FISCO.
1. Tratando-se a infração penal prevista no art. 1.º da Lei 8.137/90 de delito material, sua consumação ocorrerá no local em que se verificou o prejuízo provocado pelo crime.
2. Conflito conhecido para declarar-se competente o Juízo de Direito da 1.ª Vara Criminal de Campinas/SP, o suscitado.
(STJ/DJe de 2/2/09)

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que o crime de falsidade ideológica praticado com a finalidade de suprimir ou reduzir tributo fica absorvido pelo crime de sonegação fiscal, numa relação de crime-meio para crime-fim.

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Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): No presente caso, verifica-se que a denominada “Operação de Olho na Placa” teve por objeto a investigação de empresas de locação de veículos sediadas em São Paulo, que registravam seus automóveis no Estado do Paraná com a finalidade de reduzir o valor do IPVA devido, já que a alíquota da exação nesta Unidade Federativa seria de um por cento.
Contudo, o Juízo de Direito da 1.ª Vara Criminal de Campinas-SP declinou da competência ao suscitante, entendendo que o delito cometido seria o de falsidade ideológica, pois referida empresa, para conseguir registrar o veículo, forneceu informação falsa quanto ao endereço na cidade de Curitiba-PR.

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Ora, pelos elementos constantes dos autos depreende-se que os supostos agentes praticaram a conduta descrita no art. 299 do Código Penal com a finalidade de suprimir tributo, uma vez que para realizar o emplacamento no citado município paranaense, forneceram endereço falso da empresa proprietária do automóvel. Por tal razão, resta absorvida a falsidade eventualmente perpetrada, pois teria sido realizada como meio para a consecução do crime-fim (sonegação fiscal).

O mestre JULIO FABBRINI MIRABETE assim lecionava acerca do tema:

“[…] Tratando-se de crime de sonegação fiscal, a falsidade ideológica, como meio para a execução daquele delito, é absorvida por este, entendendo-se na jurisprudência haver no caso a aplicação do princípio da especialidade […]” (Código de Processo Penal Interpretado, 11.ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 307).

Também a respeito do assunto, insta destacar o posicionamento doutrinário do tratadista brasileiro RUI STOCO, veja-se:

“[…]

“Significa que o crime-fim absorve o crime-meio, ou seja, se para sonegar o agente falsifica um documento, corrompe ou é corrompido, estará cometendo o delito de natureza tributária da Lei especial. Ocorre, pois, a absorção da fraude, da falsidade ou outro meio que, em outras circunstâncias configuraria delito autônomo, de modo a resultar um crime único” (Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial, 7.ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 631).

No mesmo sentido, colaciona-se o seguinte decisum:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, FALSIDADE IDEOLÓGICA, USO DE DOCUMENTO FALSO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. DENÚNCIA RECEBIDA ANTES DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.

IMPOSSIBILIDADE. CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE. DELITOS DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO QUE SE APRESENTAM COMO MEIO NECESSÁRIO PARA A PRÁTICA DO CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL.

ABSORÇÃO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE SEUS ELEMENTOS.

“[…]

“V – Os delitos constantes dos art. 299 e 304 do CP, somente são absorvidos pelo crime de sonegação fiscal, se o falso teve como finalidade a sonegação, constituindo, em regra, meio necessário para a sua consumação. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso).

“VI – Na hipótese, os crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso estão indissociavelmente ligados a descrição de um potencial crime contra a ordem tributária, razão pela qual são por ele absorvidos.

“[…]

“Habeas corpus concedido para trancar o inquérito policial n.º 19-0286/06/2006.61.21.001667-2 em trâmite perante a Polícia Federal de São José dos Campos/SP” (HC 75.599/SP, rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, p. no DJ de 8/10/2007, p. 332).

Fixado tal ponto, verifica-se que o crime previsto no art. 1.º da Lei n.º 8.137/90 exige, para sua consumação, a ocorrência de efetivo dano ao Erário, consistente na redução ou supressão do tributo, classificando-se como delito material.

Aliás, quanto ao assunto, JOSÉ GERALDO DA SILVA traz a seguinte ensinança, ao comentar aludida infração penal:

“As condutas descritas nos incisos acima enumerados dependem da produção do resultado consistente na efetiva supressão ou redução do tributo ou contribuição social, o que classifica o crime de sonegação fiscal, nestes casos, como crime material” (Leis Penais especiais anotadas, 9.ª ed., Campinas/SP: Millennium Editora, 2006, p. 265)

Nesse vértice, cita-se:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTO. CRIME MATERIAL. CONSUMAÇÃO. LOCAL ONDE VERIFICADO O EFETIVO PREJUÍZO DECORRENTE DA CONDUTA.

“1. Por tratar-se de crime material, o ilícito de supressão ou redução de tributo, previsto no art. 1.º da Lei n.º 8.137/90, consuma-se no local onde verificado o prejuízo decorrente da conduta típica.

“2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Inquéritos Policiais de Curitiba/PR” (CC 75170/MG, rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Terceira Seção, p. no DJ de 27/9/2007, p. 222).

Transcreve-se, ainda:

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART 1.º, INCISO V, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 8.137/90. NEGATIVA DE APLICABILIDADE À LEI FEDERAL. INOCORRÊNCIA. INFRAÇÃO DE NATUREZA MATERIAL. CONSUMAÇÃO COM A EFETIVA SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTOS.

“Os crimes contra a ordem tributária apenas se consumam com a comprovação de supressão ou redução do imposto mediante as condutas elencadas nos arts. 1.º e 2.º e seus respectivos incisos da Lei 8.137/90.

“Inexistindo prejuízo ao erário, inexiste crime. Recurso desprovido” (REsp 705281/MT, rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma, p. no DJ de 1.º/8/2005, p. 542).

Salienta-se que referido momento consumativo não deve ser confundido com aquele em que a fraude é praticada, consoante já decidido por este Superior Tribunal:

“RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. CONDENAÇÃO (ART. 1.º, INCISOS I, II e IV, DA LEI 8.137/90, C/C OS ARTS. 29 E 71, DO CP): NULIDADE DA SENTENÇA. CONSUMAÇÃO DO DELITO: MOMENTO. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 12, I, DA LEI 8.137/90: REEXAME DE PROVAS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO: INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 619 E 620 DO CPP. LEIS 4.729/65 E 8.137/90: INCIDÊNCIA.

“[…]

Se as condutas ilícitas ocorreram nos exercícios fiscais de 1988 a 1991, em continuidade delitiva, correta a decisão que aplica à espécie a Lei 8.137/90 em lugar da Lei 4.729/65. Ademais, a consumação do delito de sonegação fiscal (por ser crime material), não se verifica no momento em que ocorreu a fraude, mas, sim, no momento da efetiva vantagem auferida ou prejuízo causado com a evasão tributária, que no caso se deu sob a égide da nova lei. Precedentes. Recurso conhecido em parte e nessa parte desprovido.

(grifou-se, REsp 172.375/RS, rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma, p. no DJ de 18/10/1999, p. 252).

In casu, observa-se que o prejuízo decorrente de eventual conduta delituosa será suportado pelo Estado de São Paulo, sede da empresa proprietária do veículo e, por conseguinte, local em que deveria ter sido recolhido o IPVA.

Portanto, aplicando-se o disposto no art. 70, caput, do Codex Processual Criminal, o qual determina que “a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração […]”, compete ao Juízo paulista processar e julgar o feito.

Assim, em conformidade com o parecer do Ministério Público Federal e com os precedentes desta Corte citados, conhece-se do conflito para declarar a competência do Juízo de Direito da 1.ª Vara Criminal de Campinas-SP, o suscitado.

É o voto.

Votaram com o Relator, Ministro Jorge Mussi, os Ministros Og Fernandes, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Felix Fischer, Arnaldo Esteves Lima e Maria Thereza de Assis Moura.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.