Competência. Criminal. Crime de roubo…

Subtração de bens em poder de carteiro, no exercício de suas funções. Servidor efetivo da Empresa Brasileira de Correio e Telégrafos. Violência contra servidor do quadro de empresa pública federal. Lesão material direta e específica a serviço e a bem da União. Ação penal da competência da Justiça Federal.

Recurso Extraordinário N.º 473.033-2-DF
Rel.: Min. Cezar Peluso
EMENTA

É da competência da Justiça Federal, o processo de ação penal por crime de roubo de objetos em poder de servidor efetivo da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, no exercício de suas funções de carteiro.
(STF/DJU de 5/12/2008)

Decidiu o Supremo Tribunal Federal, através de sua Segunda Turma, que a competência para julgar crime de roubo praticado contra carteiro, no exercício de suas funções é da Justiça Federal, por tratar-se de ofensa direta e específica contra serviço e bens da União.

Consta do voto do Relator:

O Senhor Ministro Cezar Peluso – (Relator):

1. Inconsistente o recurso. Vê-se que o acórdão impugnado decidiu a causa em conformidade com a orientação desta Corte no sentido de que a determinação de competência da Justiça Federal, com base no art. 109, inc. IV, da Constituição da República, depende da prova de efetiva lesão a bens, serviços ou direitos da União, de suas autarquias ou empresas públicas. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao dar provimento ao pedido revisional do ora recorrido, anulou todos os atos do processo da ação penal em que esse foi condenado a 6 (seis) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte dias) de reclusão e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, por infração ao art. 157, § 2.º, incs. I e II, cc. art. 71 do Código Penal. E fê-lo, porque a competência, no caso, seria da Justiça Federal, uma vez que, “embora os malotes subtraídos contivessem bens destinados a terceiros, pessoas físicas, tais como cartões de crédito ou talonários de cheques, sujeito passivo é a ECT, responsável pelos objetos até sua efetiva entrega, serviço que incumbia ao carteiro, servidor dessa empresa pública no pleno exercício de suas funções.”

(fl.58)

Acertou a decisão. É que, apesar de a conduta delituosa haver também atingido patrimônio de particulares, o sujeito passivo, no crime de roubo, é ainda quem sofra a violência ou a grave ameaça inerente ao tipo do roubo, que é crime complexo, enquanto reúne características dos tipos dos delitos de furto e de constrangimento ilegal. A respeito, notava o insuperável HUNGRIA:
“A violência física ou moral se entende dirigida contra o detentor da coisa (seja ou não o proprietário) ou terceiro que arroste o ladrão. O sujeito passivo da violência pode ser diverso do sujeito passivo da lesão patrimonial”.(1)

Claro, pois, que, a previsão do tipo complexo do crime de roubo não se preordena a tutelar somente o bem jurídico patrimonial, entendido como propriedade, posse ou detenção de coisa móvel, senão também a liberdade, a integridade física e a vida de pessoa que possa ser vítima da violência ou da grave ameaça que integra sua estrutura típica. Daí, sublinhar-se:
“Sujeito passivo não é só o proprietário, possuidor e detentor, mas qualquer pessoa que sofra a violência, ameaça ou tenha de qualquer forma diminuída a resi5tência, porque, como visto, o patrimônio não é o único bem jurídico tutelado no tipo penal de roubo”.(2)

Desta forma, o carteiro, que, no caso, sofreu a violência, é, por igual, sujeito passivo do crime que padeceu no exercício de suas funções.

Ademais, a empresa pública federal, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, é detentora dos objetos que guarda e transporta. O roubo de malotes prejudica, dessarte, por via direta, os serviços por ela prestados nessa condição jurídica, além de poder acarretar-lhe dano patrimonial próprio, consistente na obrigação legal de reparar lesão imposta ao patrimônio alheio. Está presente, assim, ofensa específica e direta a serviço e bem da União.

Tal situação em nada se entende com a que invoca o recorrente, ao mencionar crimes praticados por funcionários de hospitais ligados ao Sistema Único de Saúde, porquanto, nessas hipóteses, há apenas vítima particular, sem direta repercussão gravosa a bens, serviços ou interesses públicos, que aí só podem atingidos de maneira oblíqua.

2. Do exposto, conheço do recurso extraordinário, mas nego-lhe provimento.

Decisão unânime, sendo Relator o Ministro Cezar Peluso, acompanhado pelos Ministros Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Eros Grau.

Notas:

(1) HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, 2.ª ed. RJ: Forense, 1958. v. VII, p. 55, n.º 21.
(2) ASSIS MOURA, Maria Thereza Rocha de, e SAAD, Marta. In: FRANCO, Alberto Silva, e STOCO, Rui (coordenadores). Código penal e sua interpretação. 8.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 796, n.º 3.00.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.