Civil. Imóvel pertencente a Sociedade Comercial para residência dos sócios (da mesma família). Pretendida caracterização do bem de família. Inadmissibilidade.

“RECURSO ESPECIAL N.º 326.019-MA

Rel.: Min. Ari Pargendler

EMENTA

Imóvel que, pertencente a sociedade comercial, serve de residência para os sócios; penhorabilidade, porque a caracterização do bem de família supõe que a propriedade seja da entidade familiar.

Recurso especial conhecido e provido.”

(STJ/DJU de 5/8/02, pág. 330)

M.G.S. propôs embargos de terceiros contra B.E.M S/A – BEM requerendo a desconstituição de penhora sobre imóvel que considera ser bem de família.

O MM. Juiz de Direito julgou procedentes os embargos, sentença confirmada por acórdão proferido pela E.S.C.C. do TJ E M, relator o eminente desembargador R.F.C., assim ementado:

“Processual civil. Apelação cível. Embargos de terceiro. Imóvel residencial de propriedade de empresa familiar. Penhora. Desconstituição. Mulher e mãe de sócios menores. Legitimidade ativa caracterizada. Juiz. Vinculação ao processo. Ausência e colheita de prova em audiência. Inocorrência. Preliminares rejeitadas.

Não há que falar em nulidade de sentença, sob o fundamento de violação ao princípio da entidade física do juiz, quando este não colhe nenhuma prova em audiência, não ficando, assim, vinculado ao processo. É legítima para propor embargos de terceiro visando defender a posse de imóvel que serve de moradia à família, a mulher de sócio e mãe representante de filhos menores sócios da empresa proprietária do mesmo. Preliminares rejeitadas. Deve ser desconstituída a penhora incidente sobre imóvel residencial de propriedade da empresa executada, quando os autos estão a demonstrar que referida empresa é tipicamente familiar e o imóvel serve de moradia para a família dos sócios. Recurso improvido. Unanimidade”.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitadas.

Seguiu-se recurso especial, interposto pelo B. do E. do M. S/A, com base no artigo 105, inciso III, letra “c”, da Constituição Federal.

Decidindo o recurso especial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Ari Pargendler, deu-lhe provimento para cassar o acórdão recorrido, admitindo que a penhora fosse feita sobre o bem porque pertencente a empresa comercial e não a entidade familiar.

Consta do voto do relator:

O exmo. sr. ministro Ari Pargendler (relator):

No caso dos autos, o que se pretende é que uma sociedade comercial, formada por sócios pertencentes a mesma família, pai e filhos, seja considerada como entidade familiar para fins de impenhorabilidade do imóvel no qual residem, que é de propriedade da sociedade.

Sem razão.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se pronunciar em caso análogo, conforme se verifica do Resp n.º 35.281, MG, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, assim ementado:

“PENHORA. Bem de família. Lei 8.009/90. Sociedade comercial. Entidade familiar. Desconsideração da personalidade jurídica. 1. O conceito de entidade familiar, no direito civil brasileiro, corresponde ao disposto na Constituição da República (art. 226 e parágrafos), não compreendendo a sociedade comercial, cujos sócios integram uma mesma família. Trata-se aí de uma empresa familiar, mas não da entidade familiar referida no artigo 1.º da Lei 8.009/90. 2. (…)”

DJU, 28/11/94.

Aplica-se, à espécie, a observação feita no final do voto condutor desse acórdão, in verbis:

“Visto de outro ângulo, o pleito dos recorrentes propõe uma questão singular: a desconsideração da pessoa jurídica, não para atingir os bens dos sócios que atrás dela se escondem, a benefício dos credores prejudicados pelo abuso da personalidade jurídica, mas, inversamente, para proteger os interesses dos sócios em relação aos bens sociais. Ocorre que isso implica, também, a mudança do próprio fundamento do instituto, assim como apontado por Serick, que é o de abuso de direito, com ofensa à boa fé (Cfr. Juan Dobson, El abuso de la personalidad juridica, Depalma, ps. 17 e seguintes)”.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de lhe dar provimento para julgar improcedentes os embargos de terceiro, invertido o ônus da sucumbência.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho.

Processual Penal. Omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias. Parcelamento anterior à denúncia. Extinção da punibilidade. Desnecessidade do pagamento integral.

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 11.598 – SC

REL. MIN. GILSON DIPP

EMENTA

1. Uma vez deferido o parcelamento, em momento anterior ao recebimento da denúncia, verifica-se a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei n.º 9.249/95, sendo desnecessário o pagamento integral do débito para tanto.

II. Recurso provido para conceder a ordem, determinando o trancamento da ação penal movida contra os pacientes.”

(STJ/DJU de 2/9/2002)

Pondo termo à divergência que imperou durante certo tempo no âmbito da Corte, a Terceira Seção (5.ª e 6.ª Turmas) do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Gilson Dipp, proclamou que o parcelamento do débito antes da denúncia, nos crimes de sonegação fiscal, fez extinguir a punibilidade, nos termos do art. 34, da Lei n.º 9.249/95, não havendo necessidade de ser aguardado o pagamento integral.

Consta do voto do relator:

O Exmo. Sr. ministro Gilson Dipp (relator):

Trata-se de recurso em habeas corpus contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que denegou writ originariamente impetrado visando o trancamento da ação penal movida contra os pacientes, pela prática, em tese, de delito de sonegação fiscal.

Em suas razões, o impetrante sustenta, em síntese, a extinção da punibilidade, nos termos do art. 34 da Lei n.º 9.249/95, em razão do parcelamento da dívida com o Estado antes do oferecimento da denúncia.

O cerne da questão diz respeito ao parcelamento do débito antes do recebimento da denúncia, e se o mesmo enseja, ou não, a extinção da punibilidade do réu.

Tenho entendido que a manifestação concreta no sentido de saldar a dívida – como no caso de parcelamento do débito junto ao Estado – em momento anterior ao recebimento da exordial acusatória, afasta a justa causa para a ação penal, ainda que restando eventual discussão extrapenal dos valores.

Com efeito, o parcelamento do débito deve ser entendido como equivalente à promoção do pagamento. Dessarte, o próprio art. 14 da Lei n.º 8.137/90 não fazia distinção se o promover seria integral ou parcelado, razão pela qual se tem como suficiente o ato de saldar a dívida – o que sobressai do próprio parcelamento.

De outro lado, o parcelamento cria nova obrigação, extinguindo a anterior, pois, na realidade, verifica-se uma novação da dívida – o que faz a equivalência ao art. 14 da Lei n.º 8.137/90, para o fim de extinguir a punibilidade do autor do crime.

Desta maneira, o instituto envolve transação entre as partes credora e devedora, alterando a naturação da relação jurídica e retirando dela o conteúdo criminal para lhe atribuir caráter de ilícito civil lato sensu.

Não obstante, o Estado credor dispõe de mecanismos próprios e rigorosos para satisfazer devidamente os seus créditos, pois a própria negociação realizada envolve previsões de sanção para a inadimplência.

A questão de eventual inadimplência ainda poderá ser resolvida no juízo apropriado, pois na esfera criminal só restará a declaração da extinção da punibilidade.

Devido a tal conclusão, penso que se torna efetivamente irrelevante saber se foram pagas poucas ou muitas parcelas, pois o que interessa é que o acordo de parcelamento foi celebrado antes do recebimento da denúncia, possuindo efeito jurídico igual ao pagamento.

Dessarte, para efeitos penais, o parcelamento extingue a dívida, criando outra obrigação, razão pela qual sendo favorável à parte, não haverá recurso em habeas corpus para o Supremo Tribunal Federal, pacificando-se, nesta instância, que é a sede efetiva da interpretação da lei federal.

Não há porque o Direito Penal preocupar-se com atos que não sejam relevantemente anti-sociais, a justificar o desencadeamento da proteção punitiva estatal – como, aliás, apregoam os modernos doutrinadores penalistas.

Ainda tenho por colacionar a promoção do i. subprocurador-geral da República, Eitel Santiago de Brito Pereira, exarado no Resp n.º 191.294-RS, que se adapta com precisão à controvérsia:

“A interpretação rigorosa dos preceitos da lei penal, perseguida pelo recorrente, não concorre para melhorar as condições de vida da sociedade brasileira. O encarceramento de empresários, pela perpetração de crimes fiscais, deve ser reservado para situações excepcionalíssimas, pois pode provocar até o desaparecimento de algumas empresas, aumentando o intolerável nível de desemprego existente na atualidade. De que adiantaria mandar para as cadeias, já abarrotadas de delinqüentes violentos, pessoas que, mesmo cometendo ilícitos tributários, exercem atividades comerciais lícitas e produtivas, absorvendo mão-de-obra em suas empresas? Tal providência não se justifica, nem atende aos reclamos de uma política criminal construtiva. Notadamente, se os responsáveis pela infração procuram se compor com o Fisco, providenciando, ainda que de forma parcelada, a quitação das exações devidas.”

A corroborar o entendimento, os seguintes julgados:

“Penal. Débito tributário. Parcelamento anterior ao recebimento da denúncia. Extinção de punibilidade.

1. O acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do recebimento da denúncia, enseja a extinção de punibilidade prevista na Lei 9.249/95, art. 34, porquanto a expressão “promover o pagamento” deve ser interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o tributo devido.

2. “Habeas Corpus” conhecido; pedido deferido.”

(HC n.º 9.909/PE; rel. ministro Edson Vidigal; DJ 13/12/1999)

“Resp. débito tributário. Transação. Formalização antes do recebimento da denúncia. Art. 34 da Lei 9.249/95. Extinção da punibilidade.

1. A transação proposta pelo contribuinte e aceita pelo Fisco, antecedentemente ao recebimento da denúncia, com vistas à extinção do crédito tributário pelo pagamento, ainda que de forma parcelada e mediante concessões mútuas, retira a justa causa para a ação penal.

O art. 34, da Lei 9.249/95 fala em “promover o pagamento” e, nestas circunstâncias, formalizado bilateralmente o ajuste, com providências efetivas ao pagamento, nada impede que este se faça após o ato de recebimento da acusação.

3. Recurso não-conhecido.”

(Resp 197.365/MG; rel. ministro Fernando Gonçalves; DJ de 6/9/1999)

“Recurso Especial. Penal e Processual Penal. Apropriação indébita. Não-reconhecimento de tributos. Parcelamento do débito antes do oferecimento da denúncia. Extinção da punibilidade.

Reiterada jurisprudência desta Corte no sentido de que o parcelamento da dívida tributária equivale a pagamento, acarretando a extinção da punibilidade do sujeito ativo da infração, nos termos do art. 34, da Lei 9.429/95.

Na hipótese vertente, além de comprovado o parcelamento do débito antes do recebimento da denúncia, verificou-se posteriormente a quitação integral da obrigação tributária.

Recurso conhecido, mas desprovido.”

(Resp 184.338/SC; rel. ministro José Arnoldo; DJ de 31/5/1999)

Poder-se-ia dizer que a Lei do Refis, a Lei n.º 9.964/2000, quando propicia o parcelamento do débito, mas condiciona apenas a suspensão do processo à suspensão da prescrição até o efetivo cumprimento da obrigação, que pode se dar, às vezes, em trinta anos, comete uma iniqüidade – esse tipo de suspensão do processo com parcelamento tão amplo – essa lei do Refis – parece-me que não se aplicaria aos casos concretos ora tratados, porque mostra uma disposição, pelo legislador, de verdadeiro arrocho fiscal através da lei penal.

Nestes termos, parcelado o débito antes do recebimento da denúncia, que, para fins penais, equivale ao pagamento, e aplicando-se de forma retroativa a lex mitior, que prevê com causa extintiva de punibilidade o pagamento da dívida antes do recebimento da peça inicial, correta é a declaração da extinção da punibilidade dos denunciados.

Diante do exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso para conceder a ordem, determinando o trancamento da ação penal movida contra os pacientes.

É como voto.

Decisão por maioria, votando com o relator os ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Galloti, Fontes de Alencar, Vicente Leal e Fernando Gonçalves.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.