Civil. Cobrança de valores constantes de cheques decorrentes de empréstimos. Prescrição vintenária.

RECURSO ESPECIAL N.º 190.596/SP

Rel.: Min. Aldir Passarinho Júnior

EMENTA – I. Firmado pelas instâncias ordinárias, soberanas na interpretação da prova, que os valores cobrados decorriam de empréstimos concedidos ao réu, tem-se que a natureza da obrigação é civil e não cambiária, de sorte que a prescrição aplicável à espécie é a vintenária, ao teor do art. 177 do Código Civil, e não a da Lei n.º 7.357/85.

II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” (Súmula n.º 7-STJ).

III. Recurso especial não conhecido.”

(STJ/DJU de 8/9/03, pág. 330)

Se os cheques são dados como garantia de empréstimo feito ao emitente, no caso de inadimplemento o que se cobra é o valor do empréstimo, direito pessoal, e não o cheque propriamente dito. Vai daí que a prescrição é a vintenária.

Assim decidiu a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Min. Aldir Passarinho Júnior com o seguinte voto condutor:

Consta do voto do Relator:

Exmo. Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): – No presente recurso especial discute-se sobre o prazo de prescrição para a cobrança de valores representados por dois cheques de emissão do réu, e por ele não satisfeitos.

O voto condutor do acórdão estadual, que confirmou a sentença monocrática, diz o seguinte (fls. 289/291):

“A argumentação do apelante não serve para comprovar o pagamento dos valores referentes aos cheques.

Cabe anotar de início que em nenhum momento houve negativa do réu quanto a emissão regular dos cheques e nem quanto a origem declarada que seria em razão de empréstimos feitos ao apelante.

Deveria então o apelante, porquanto o ônus lhe cabia, comprovar que houve o pagamento mencionado. Em sua defesa alega ter pago o valor dos cheques e a prova estaria a seu encargo por ter aduzido fato modificativo do direito do autor.

Contudo, nenhuma prova nesse sentido trouxe aos autos.

De outro lado, não seria prática usual, mormente sendo o apelante advogado, conforme salientado na sentença, deixar de exigir recibo do pagamento que teria efetuado ou deixar de recebê-los de volta, se efetivamente tivesse pago os cheques.

Portanto, não havendo a prova do pagamento poderia o apelado ingressar com ação de cobrança porquanto não nega o apelante ter havido os empréstimos.

Não apresentou o apelante qualquer razão plausível para os cheques estarem em poder do apelado o que indica não ter havido qualquer irregularidade na emissão.

Mesmo que tenham perdido a força executiva não deixam de caracterizar uma ordem de pagamento a vista.

No tocante a prescrição alegada equivoca-se o apelante porquanto trata-se de cobrança de valor de empréstimo, direito pessoal, e não do cheque propriamente dito.

Nestes casos o art. 177 do Código Civil estabelece o prazo de vinte anos para prescrição, o que a evidência ainda não ocorreu.

Desta maneira, se mostra induvidosa a dívida reconhecida na sentença monocrática que deve ser mantida por suas próprias razões e fundamentos”.

Ao rejeitar os embargos declaratórios, emendou o eminente Juiz relator, Dr. Edgard Jorge Lauand, nesses termos (fls. 311/312):

“Não se trata de ação de cobrança dos cheques mas do empréstimo, negócio jurídico originário das cártulas que sequer foram apresentadas ao banco para pagamento.

Desta maneira, não se aplica ao caso a prescrição do art. 61, da Lei 7.357/85 e conta-se o prazo prescricional de acordo com o art. 177 do Código Civil, por se tratar de direito pessoal.

Nota-se, desta maneira, até da própria jurisprudência indicada pelo embargante e constante as fls. 303 não haver equívoco no acórdão e nem revogação do art. 177 do Código Civil, em razão da Lei do Cheque.

Situações diferentes se apresentam. Quando se disse no acórdão que o valor do cheque não foi pago refere-se a importância expressa no cheque e não quanto ao cheque propriamente dito.

Em suma, o que está sendo cobrado é o valor de um empréstimo e não o valor de um título cambial.”

Tenho que o acórdão não merece reparo.

Com efeito, interpretada a matéria fática, de impossível revisão nesta sede por óbice da Súmula n.º 7, no sentido de que o que se cobra é uma dívida decorrente de empréstimo – e observe-se que não há qualquer alegação sobre prática de usura – tem-se que o direito aqui discutido é de natureza pessoal, não cambiária, de modo que a prescrição é a geral, vintenária.

Nesse sentido é o entendimento desta Turma, como se vê do REsp n.º 36.590/MG, litteris:

“Processo civil. Distinção entre ação de cobrança fundada na relação jurídica negocial que gerou o cheque e a ‘ação de locupletamento’. Prescrição. Arts. 61 da Lei 7.357/85 e 177, CC, recurso provido.

– A “ação de locupletamento”, de que fala o art. 61 da Lei 7.357/85, e a ação de cobrança fundada no cumprimento de negocio jurídico do qual se originou o cheque, não se confundem, prescrevendo aquela no prazo fixado pelo próprio dispositivo mencionado e esta no prazo estipulado pelo art. 177, CC, para as ações pessoais.”

(Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, DJU de 31/10/94)

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, César Asfor Rocha e Fernando Gonçalves.

Processual Penal. “Habeas Corpus”. Sustentação oral. Impedimento. Cerceamento de defesa.

HABEAS CORPUS N.º 22.161/RJ

Rel.: Min. Paulo Medina

EMENTA – Constitui cerceamento de defesa impedir que o advogado sustente oralmente, perante a Turma julgadora, as razões do pedido, máxime quando, para tanto, fez expresso requerimento.

“A frustração da sustentação oral viola as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.” (HC 21.415/RJ)

Ordem concedida para anular o julgamento do HC n.º 2001.02.01.046708-7, a fim de que outro seja realizado, oportunizando à defesa o exercício da sustentação oral.

(STJ/DJU de 8/9/03, pág. 367)

Nesta decisão posta em destaque, considerou o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Sexta Turma, Relator o Ministro Paulo Medina, que se o advogado manifestar o interesse em sustentar oralmente pedido de “habeas corpus”, deve ser intimado da realização do julgamento, constituindo cerceamento de defesa toda e qualquer providência impeditiva da sustentação oral.

Consta do voto do Relator:

Voto

Processo penal. Habeas corpus. Sustentação oral. Impedimento. Defesa. Cerceamento.

Constitui cerceamento de defesa impedir que o advogado sustente oralmente, perante a Turma julgadora, as razões do pedido, máxime quando, para tanto, fez expresso requerimento.

“A frustração da sustentação oral viola as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.” (HC 21.415/RJ)

Ordem concedida para anular o julgamento do HC n.º 2001.02.01.046708-7, a fim de que outro seja realizado, oportunizando à defesa o exercício da sustentação oral.

O Exmo. Sr. Ministro Paulo Medina (Relator): Sr. Presidente, consta da petição original, dirigida à Corte Regional, expresso requerimento pertinente à sustentação oral, vazada nos seguintes termos (fl. 19):

“Os impetrantes manifestam desde já sua intenção de sustentar oralmente a ordem pleiteada, requerendo, para tanto, sua intimação. Trata-se de medida que mais se coaduna com o princípio constitucional da ampla defesa e com o pleno exercício do múnus público dos impetrantes (art. 133, CF).”

Da transcrição fonográfica do julgamento, percebe-se que o advogado não compareceu porque atendera, na mesma oportunidade, a uma audiência na comarca de Mangaratiba-RJ, distante cerca de uma hora e meia de viagem (fls. 57/58).

Não obstante, em que pese prevenido pelo Presidente da Turma sobre a conveniência do adiamento, ante o cerceamento da defesa, o Relator pôs o feito em mesa, sob o seguinte fundamento, in verbis (fls. 56/57):

“Sr. Presidente, vou julgar o Habeas Corpus agora. Vou julgá-lo e indeferi-lo.

Egrégia Turma, trata-se de um Habeas Corpus razoavelmente antigo. Foi distribuído, aqui, em 2001, quer dizer, estamos quase nomeio do ano…

Concedi a Liminar para o Interrogatório.

Mandei ao Ministério Público e pedi as informações. O Habeas Corpus foi ao Ministério Público que, dentro de um prazo razoável, pelo volume de trabalho que tem, ofertou o seu Parecer.

Fiz o voto. Reclama-se, ainda, que o Poder Judiciário não funciona. Quer dizer, a própria atividade defensiva atrapalha, e está com essa Liminar aqui. Eu já tinha julgado um outro Habeas Corpus parecido. Neste caso, agora, está-se, mais uma vez, pedindo o adiamento. Não vejo como adiar, e peço a máxima vênia a S. Excelência, o Dr. Advogado, sobretudo porque o Dr. Estagiário pronunciou-se, aqui, verbalmente, dizendo que o Dr. Advogado encontra-se fora do Rio de Janeiro.”

Prestigiou o Relator, sobretudo, a celeridade do rito, aspecto relevante, sem qualquer dúvida.

Contudo, tratando-se de ação constitucional exclusiva da defesa, unicamente o paciente seria, por desventura, prejudicado pelo novo adiamento, porquanto, como aventado pelo Presidente do Colegiado, a liminar poderia ser cassada (fl. 58).

Com efeito poderia, se relevantes os motivos para tanto.

Do modo em que foi julgado o writ Å sem sustentação oral Å maior foi, para o acusado, o prejuízo que adviria do segundo adiamento, pois a ordem foi denegada e, ademais, é certo que a delonga repercute menos no direito do réu que a ausência de pronunciamento da defesa.

Decerto que a garantia instituída no artigo 5.º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, harmoniza-se com os artigos 133 e 134 da Carta Magna, posto que cabe ao advogado e ao defensor público, no exercício do ius postulandi, materializar, no processo, em favor do réu, os meios inerentes à ampla defesa.

Em recente julgado de minha relatoria, assim expressei meu convencimento sobre a questão:

Processo penal. Apelação. Falta de intimação do acusado para constituir novo patrono, em face da renúncia do advogado. não nomeação de defensor dativo, ante a ausência do defensor constituído. Julgamento realizado sem defensor. cerceamento de defesa.

[…]

Do mesmo modo, “a falta de intimação pessoal do advogado do réu para a sessão de julgamento da apelação, configura cerceamento de defesa, importando em constrangimento ilegal susceptível de revisão por meio de habeas corpus” (HC 15.397/SP).

A frustração da sustentação oral viola as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. (grifei)

Ordem concedida para anular o acórdão proferido na Apelação Criminal n.º 2.646/2001-050 e todos os atos processuais subseqüentes, para que outro julgamento seja proferido com a presença do Defensor.

HC 21.415/RJ, Relator o Min. Paulo Medina, DJ de 02.06.2003, pág. 354)

Este tem sido o posicionamento desta Corte, também em casos de habeas corpus, razão por que destaco os seguintes precedentes:

Processual penal. Habeas corpus. Decreto-lei n.º 201/67. Competência originária. Defesa final.

A defesa final que antecede o iudicium causae é indispensável e a sua ausência gera nulidade absoluta.

Writ concedido.

HC 21.995/RS, Relator o Min. José Arnaldo da Fonseca, Relator p/acórdão o Min. Félix Fischer, DJ de 30.09.2002, pág. 275.)

Do voto-condutor, ressalto o seguinte excerto:

“A defesa final que antecede o iudicium causae, no processo criminal, não é opcional ou facultativa. Ela é obrigatória, sendo uma imposição natural do devido processo legal e da necessidade da efetiva defesa (art. 5.º, incisos LIV e LV da Lex Fundamentalis).

A própria defesa meramente formal não preenche os requisitos exigidos constitucionalmente. Por maior razão, a inexistência da defesa (v.g., Súmula n.º 523-STF // STF: HC 73227/RS 2.ª Turma, relator Min. Maurício Côrrea, DJU de 25/10/96 // STJ: RHC 10186/RS, 5.ª Turma, relator Min. Edson Vidigal, DJU 2/4/01).

Qualquer manobra havida como protelatória poderia implicar na nomeação de defensor (ou a substituição) com a imediata comunicação à OAB. No entanto, a ausência de defesa deveria ter sido, com antecedência razoável (dada a sua relevância evidente), suprida e não relegada a uma plano secundário.

Voto pela concessão da ordem.”

Calha transcrever ainda, porque oportuno, o seguinte julgado desta Turma, assim ementado:

“HABEAS-CORPUS. RECURSO ORDINÁRIO.

– Ordem concedida para que a Corte de origem proceda a novo julgamento da causa, assegurada ao recorrente a sustentação oral.”

(RHC 10.932/SP, Relator o Min. Fontes de Alencar, DJ de 01.04.2002, pág. 550)

Deste voto, sobressaem as razões acolhidas pelo Relator e expendidas pela então Subprocuradora-Geral da República, Dra. Laurita Hilário Vaz, que hoje compõe a Quinta Turma desta Casa, a seguir transcritas:

“Assim sendo, restando comprovado nos autos a manifesta intenção do advogado do recorrente em produzir sustentação oral em plenário, utilizando-se a faculdade que a lei lhe confere, a sua ausência em razão de óbice criado pela omissão dos serviços burocráticos da Justiça, constitui cerceamento de defesa e ofensa ao devido processo legal.”

Destarte, conquanto não se trate aqui de similitude fática, mas jurídica, entendo evidente, à luz do que se contém nos autos, o constrangimento ilegal imposto ao paciente.

Posto isso, CONCEDO a ordem, para anular o julgamento do HC n.º 2001.02.01.046708-7, a fim de que outro seja realizado, oportunizando à defesa o exercício da sustentação oral.

Relatório e Voto

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.