Civil. Bem de família. Impenhorabilidade. Possibilidade de renúncia em situações excepcionais.

EMENTA

Civil. Bem de família. Lei n.º 8.009, de 1990.

A impenhorabilidade resultante do art. 1.º da Lei n.º 8.009, de 1990, pode ser objeto de renúncia válida em situações excepcionais; prevalência do princípio da boa-fé objetiva. Recurso especial não conhecido.

(STJ/DJU de 01/02/06)

Nos autos de ação de execução fundada em título extrajudicial proposta por J.D.P. e outros, J.E.V.M. e sua esposa, M.L.B., requereram a decretação da nulidade da penhora, ?vez que o bem constrito é absolutamente impenhorável, por força do disposto na Lei 8.009/90?.

O MM. Juiz de Direito realizou audiência justificação, na qual ouviu os devedores e uma testemunha, e indeferiu o pedido.

A decisão foi atacada por agravo de instrumento, a que o tribunal a quo negou provimento nos termos do acórdão assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROPORCIONALIDADE DA LESÃO. IMPENHORABILIDADE. NÃO-INCIDÊNCIA. RENÚNCIA LIVRE E ESPONTÂNEA PERANTE TABELIÃO. Não configurado qualquer vício de vontade, mormente porque os agravantes são engenheiros civis, pessoas bem esclarecidas, é de ser mantida a renúncia ao benefício da impenhorabilidade proferida, em escritura pública, perante Tabelião. A lei da impenhorabilidade sofre temperamentos, em especial quanto aos casos em que as partes de forma livre e consciente renunciam ao benefício legal. Agravo improvido?

J.E.V.M. e sua mulher, M.L.B., interpuseram recurso especial, com base no art. 105, inc. III, letras a e c, da Constituição Federal, por violação dos arts. 1.º e 3.º da Lei n.º 8.009, de 1990, e por divergência jurisprudencial.

Na instância extraordinária a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Ari Pargendler, não conheceu do recurso, conforme consta do voto do Relator:

Exmo. Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator):

Pela letra ?c?, o recurso especial não pode prosperar; a situação sub judice é realmente excepcional, difícil de se reproduzir.

Pela letra ?a?, o tema pode ser examinado, porque prequestionado, tal como se lê no seguinte trecho do acórdão:

?Costumo afirmar que o espírito da lei da impenhorabilidade visa à proteção da entidade familiar, não apenas de um ou de outro membro deste núcleo? (fl. 91).

Induvidosamente, o comentário alude à Lei n.º 8.099, de 1990, basicamente ao seu art. 1.º – e, na aparência, o recurso especial está bem fundado porque o benefício instituído pela aludida norma é de ordem pública.

Tudo tem limites, todavia, e nenhum regramento genérico pode ser aplicado em concreto se contrariar o princípio da boa-fé objetiva, tal como demonstrado pelo tribunal a quo, Relator o Desembargador Guinther Spode:

?No caso concreto, estamos diante de um casal de Engenheiros Civis, pessoas maiores, capazes e pertencentes a uma casta intelectual de pouco mais de 2% da população brasileira. Longe estão de serem reputadas pessoas ingênuas, de poucas luzes e que se deixam ludibriar com facilidade. Mais. O ato que imputam de nulo foi lavrado por escritura pública, perante Tabelião, cujo qual portou por fé o documento. Significa dizer que o instrumento que dá suporte à pretensão executiva dos agravados não foi confeccionado em um escritório qualquer, suprimindo-se dos agravantes a transparência e liberdade volitiva contratual.

Os agravantes compareceram espontaneamente à serventia e lá, perante o Tabelião, expressaram as suas vontades, de forma livre e consciente.

Especial destaque deve ser dado ao teor da cláusula nona da escritura pública. Está ela assim expressa:

?NONO Presentes também a este ato, Walton Luiz Willeker, engenheiro civil e sua esposa, Mara Lúcia Brenner, engenheira civil, … omissis … os quais, neste instrumento, constituem-se FIADORES e principais pagadores com responsabilidade solidária, de todas as obrigações assumidas pela outorgante devedora, obrigando-se, por si, seus herdeiros e sucessores, a qualquer título, com todos os seus bens e haveres a fazer a presente boa, firme e valiosa, por todo o tempo em que perdurarem as obrigações da outorgante devedora junto aos outorgados credores, renunciando, assim, expressamente, às faculdades previstas nos artigos 1.491, 1.550 e 1.503 do Código Civil Brasileiro e artigo 262 do Código Comercial Brasileiro, bem como o direito da impenhorabilidade garantido pela Lei n.º 8.009, de 29 de março de 1990, eis que a fiança ora outorgada prevalecerá por todo o tempo em que subsistirem as obrigações afiançadas até sua total liquidação …? (o negrito é do texto do acórdão).

Como se vê, os agravantes, frise-se, de maneira livre e espontânea dirigiram-se ao Ofício Distrital e lá manifestaram sua vontade. Inexiste sequer alegação de vício de vontade.

Neste passo, forçoso salientar, que os agravantes buscam mesmo é o benefício legal de garantia à residência familiar, olvidando-se de que, ainda que por via oblíqua, foram os responsáveis por deixarem os agravados sem residência. Incide aqui, como bem lembrado pelo defensor dos agravados, o princípio da proporcionalidade. Os agravados, por força de atos dos executados, foram alijados de sua residência. Os agravantes buscam a proteção de sua residência. Ocorre que, conforme já afirmado, os agravados vieram a perder a residência por força de atos dos executados, fato este que afasta a incidência do benefício legal? (fl. 91/93).

Nada mais é preciso dizer para manter o acórdão.

Voto, por isso, no sentido de não conhecer do recurso especial.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi, Castro Filho e Humberto Gomes de Barros.

Processual penal. Queixa crime. Procuração irregular. Omissão que só pode ser suprida durante o prazo decadencial.

HABEAS CORPUS N.º 45.017/GO

Rel.: Min. Hélio Quaglia Barbosa

EMENTA

1. Constituiu óbice ao regular desenvolvimento da ação penal, a falta de menção do fato criminoso no instrumento de mandato visando à propositura da queixa-crime, que também não foi assinada pela querelante com o advogado constituído.

2. Segundo os artigos 43, III, 44 e 568 todos do Código de Processo Penal, a citada omissão só pode ser suprida dentro do prazo decadencial, tendo em vista que a expressão ?a todo tempo? significa ?enquanto for possível?.

3. Ordem concedida, declarando-se extinta a punibilidade.

(STJ/DJU de 27/03/06, pág. 339)

Neste recente julgado, decidiu o Superior Tribunal de justiça, através de sua Sexta Turma, Relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa, que a omissão da procuração (como a falta de menção do fato criminoso), que constitui óbice ao regular desenvolvimento da ação penal, somente pode ser suprida dentro do prazo decadencial.

Consta o voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa (Relator):

1. A ordem merece acolhimento.

2. Inicialmente, dentre os diversos fundamentos indicados pelo impetrante no habeas corpus, verifico procedente a argüição de que a procuração não preenche os requisitos dos artigos 41 c/c 43, III do Código de Processo Penal.

Com efeito, à fl. 14, é verificada a falta de menção ao fato criminoso, no instrumento de mandato visando à propositura da queixa-crime, que também não foi assinada pela querelante com o advogado constituído (fls. 12/13).

A omissão em tela constituiu óbice ao regular desenvolvimento da ação penal, por meio da qual se pretende processar o paciente pela eventual prática do crime de atentado violento ao pudor.

Insta destacar que a exigência legislativa, prevista no art. 44 do Código de Processo Penal, tem por escopo a futura responsabilidade penal da querelante em caso de denunciação caluniosa, motivo pelo qual se faz mister referência ao artigo da lei penal, além da expressa menção ao nome do querelado.

3. Lado outro, em exame ao que reza os artigos 43, III, 44 e 568, todos do Código de Processo Penal, a citada omissão só pode ser suprida dentro do prazo decadencial, tendo em vista que a expressão ?a todo tempo? significa ?enquanto for possível?, conforme ensina Júlio Fabbrini Mirabete (?Código de Processo Penal Interpretado?, Ed. Atlas S/A, 13.ª ed, p. 134).

Neste sentido:

?PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. QUEIXA-CRIME ASSINADA SOMENTE PELA ADVOGADA CONSTITUÍDA. INSTRUMENTO DE MANDATO SEM MENÇÃO AO FATO CRIMINOSO. OMISSÕES NÃO SANADAS DENTRO DO PRAZO DECADENCIAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

1. A falta de menção do fato criminoso no instrumento de mandato, com vistas à propositura de queixa-crime, que também não vai assinada pelo querelante juntamente com o advogado constituído, é omissão que, se não sanada dentro do prazo decadencial, constituiu óbice ao regular desenvolvimento da ação penal, tendo em vista que o disposto no art. 44 do Código de Processo Penal tem por finalidade apontar a responsabilidade penal em caso de denunciação caluniosa, razão pela qual, mesmo que não se exija exaustiva descrição do fato delituoso na procuração outorgada, não pode ser dispensada pelo menos uma referência ao nomen iures ou ao artigo do estatuto penal, além da expressa menção ao nome do querelado.

2. Portanto, conjugando o disposto nos arts 43, inc. III, 44 e 568, todos do Código de Processo Penal, a falha na representação processual do querelante pode ser sanada a qualquer tempo, desde que dentro do prazo decadencial, sob pena de transformar a exigência legal em letra morta, sem qualquer sentido prático.

3. Ordem concedida para restabelecer os efeitos da sentença que declarou a extinção da punibilidade.? (HC 39047, 5.ª Turma, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ 01.08.2005)

4. Pelo exposto, CONCEDO a ordem, declarada, em conseqüência, a extinção da punibilidade.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Paulo Gallotti e Paulo Medina.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.