RECURSO ESPECIAL N.º 315.979/RJ

REL.: MIN. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA

EMENTA

I – Contendo a Lei n.º 8.009/90 comando normativo que restringe princípio geral do direito das obrigações, segundo o qual o patrimônio do devedor responde pelas suas dívidas, sua interpretação deve ser sempre pautada pela finalidade que a norteia, a levar em linha de consideração as circunstâncias concretas de cada caso.

II – Consoante anotado em precedente da Turma, e em interpretação teleológica e valorativa, faz jus aos benefícios da Lei 8.009/90 o devedor que, mesmo não residindo no único imóvel que lhe pertence, utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar, considerando que o objetivo da norma é o de garantir a moradia familiar ou a subsistência da família.

(STJ/DJU de 15/3/04, pág. 149)

Nesta decisão posta em destaque, da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, considerou a Corte que a locação do único imóvel do devedor, mais valioso, e o aluguel de outro, menos valioso, para a subsistência da família, não descaracteriza o bem de família instituído pela Lei n.º 8.009/90.

Consta do voto de relator:

O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira(Relator):

1. Mais uma vez vem a debate tema a respeito da correta interpretação do art. 1.º da Lei 8.009/90, deste teor:

“Art. 1.º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e neles residam, salvo as hipóteses previstas nesta lei”.

O acórdão impugnado concluiu que, pelo fato de estar locado o único imóvel residencial da família, estaria excluída a imunidade prevista na Lei n.º 8.009/90.

2. Em primeiro lugar, tenho como caracterizado o dissídio jurisprudencial, uma vez que suficientemente demonstrado.

No mérito, a conclusão adotada no eg. Tribunal estadual não espelha, salvo melhor juízo, a teleologia da norma instituidora da impenhorabilidade do bem de família.

É bem verdade, que, em se cuidando de norma que restringe princípio geral do direito das obrigações, segundo o qual o patrimônio do devedor responde pelas suas dívidas, sua interpretação deve ser sempre pautada pela finalidade que a norteia, a levar em linha de consideração as circunstâncias concretas de cada caso.

Na espécie, todavia, restando assentado que o valor obtido com a locação era utilizado para o pagamento do aluguel de imóvel de menor valor, além de complemento da renda familiar, tenho que o objetivo da norma não foi observado, qual seja, o de garantir a moradia ou a subsistência da família.

A Quarta Turma tem entendimento firmado sobre o assunto, como se vê, entre outros, dos seguintes julgados:

– “Bem de Família. Lei 8.009/90. Imóvel alugado. Substituição da penhora.

– O fato de estar locado o único imóvel residencial da família não exclui a imunidade prevista na Lei 8.009/90. Precedentes da 4.ª Turma”(Resp n. 302.781-SP, DJ 20/8/2001, relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar).

– “BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL LOCADO. IRRELEVÂNCIA. ÚNICO BEM DA DEVEDORA. RENDA UTILIZADA PARA A SUBSISTÊNCIA DA FAMÍLIA. INCIDÊNCIA DA LEI 8.009/90. ART. 1º . TELEOLOGIA. CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. PRECEDENTE DA TURMA. RECURSO DESACOLHIDO.

I – Contendo a Lei n.º 8.009/90 comando normativo que restringe princípio geral do direito das obrigações, segundo o qual o patrimônio do devedor responde pelas suas dívidas, sua interpretação deve ser sempre pautada pela finalidade que a norteia, a levar em linha de consideração as circunstâncias concretas de cada caso.

II – Dentro de uma interpretação teleológica e valorativa, calcada inclusive na teoria tridimensional do Direito-fato, valor e norma (Miguel Reale), faz jus aos benefícios da Lei 8.009/90 o devedor que, mesmo não residindo no único imóvel que lhe pertence, utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar, considerando que o objetivo da norma foi observado, a saber, o de garantir a moradia familiar ou a subsistência da família”(REsp n. 159.213-ES, DJ 21/6/1999, de minha relatoria).

Ainda no tema, oportuno ressaltar as considerações trazidas pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, como relator do REsp n. 98.958-DF(DJ 16/12/96), assim redigidas:

“1. A Lei 8.009/90 teve por finalidade garantir a moradia da família, excluindo o imóvel e suas alfaias da execução por dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. Se o único bem residencial do casal ou da entidade familiar está locado, servindo como fonte de renda para a subsistência da família, que passa a morar em prédio alugado, nem por isso aquele bem perde a sua destinação mediata, que continua sendo a de garantir a moradia familiar.

Tendo o v. acórdão enfrentando as circunstâncias de fato e afirmado que tal situação decorre da conveniência para a manutenção da família, aplica-se ao caso o precedente da eg. 2.ª Turma, no REsp 76.212/AL, da relatoria do em. Min. Hélio Mosimann:

“Demonstrado que o bem tem finalidade residencial e que a executada não possui outro, até porque reside em apartamento alugado – pela avançada idade e por medida de segurança – merece proteção da lei que dispõe sobre a impenhorabilidade”.

Também pertinentes as conclusões sintetizadas na ementa do r. acórdão recorrido:

“Não é lícito ao julgador desconhecer o fato público e notório de que, muitas vezes, há necessidade urgente e premente de se alugar um imóvel mais valorizado para residir em outro mais humilde, a fim de que a diferença do aluguel possa subsidiar as despesas familiares. A interpretação da lei não pode resultar no entendimento de que o devedor estaria obrigado a residir no imóvel para obter os efeitos da impenhorabilidade do bem, quando essa mesma moradia implique em onerá-lo ainda mais e piorar a vida da sua família. A formalidade se observa, a realidade se impõe”.

3. À vista do exposto, conheço do recurso, pela divergência jurisprudencial, e dou-lhe provimento para restabelecer a sentença.

Decisão unânime, votando com o Relator os ministros César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Júnior, Antônio de Pádua Ribeiro e Castro Filho.

Processual Penal. Indiciamento posterior à denúncia. Inadmissibilidade.

HABEAS CORPUS N.º 29.392/SP

REL.: MIN. PAULO MEDINA

EMENTA

Após o recebimento da denúncia, não mais se admite a determinação do indiciamento do acusado, que constitui ato de caráter inquisitivo.

Habeas corpus concedido.

(STJ/DJU de 26/4/04, pág. 222)

Já são várias as decisões do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, uma vez ofertada a denúncia, descabe o indiciamento do acusado, como esta agora da Sexta Turma, relator o ministro Paulo Medina, com o seguinte voto condutor:

PROCESSUAL PENAL. INDICIAMENTO POSTERIOR À DENÚNCIA. INADMISSIBILIDADE.

Após o recebimento da denúncia, não mais se admite a determinação do indiciamento do acusado, que constitui ato de caráter inquisitivo.

Habeas corpus concedido.

O Exmo. Sr. Ministro Paulo Medina (Relator): Pugna-se, no presente caso, pelo cancelamento do indiciamento efetuado contra o paciente, posterior à denúncia.

Constitui o indiciamento ato inquisitivo, a ser efetuado em momento anterior à denúncia. Destarte, recebida a inicial acusatória, e ultrapassado o inquérito policial, não mais se justifica a efetivação de tal ato.

Nesse sentido o entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSO PENAL. ART. 1.º, II C/C O ART. 11, AMBOS DA LEI N.º 8.137/90. INDICIAMENTO DO ACUSADO APÓS RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DESNECESSIDADE.

Com o recebimento da denúncia não mais se justifica a determinação de indiciamento do acusado. (Precedentes).

Writ concedido.” (HC 23.840/SP, Quinta Turma, rel. Min. Felix Fischer, DJ de 08.03.2004)

“PROCESSO PENAL – CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA – RECEBIMENTO DA DENÚNCIA – INDICIAMENTO POSTERIOR DAS ACUSADAS – IMPOSSIBILIDADE.

– Conforme entendimento desta Corte, não se justifica a determinação do indiciamento de acusado como conseqüência do recebimento da denúncia, porquanto trata-se de ato próprio da fase inquisitorial.

– Ordem concedida para que as pacientes não sejam indiciadas.” (HC 23.345/SP, Quinta Turma, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 19.12.2003)

Posto isso, CONCEDO a ordem, para cancelar o indiciamento efetuado contra o paciente, sem prejuízo do prosseguimento da ação penal a que este responde.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

continua após a publicidade

continua após a publicidade