Bem de família. Imóvel destinado à residência do casal. Fase de construção. Impenhorabilidade.

“RECURSO ESPECIAL N.º 507.048/MG

REL.: MIN. NANCY ANDRIGHI

EMENTA – O imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar destinado à moradia permanente é impenhorável. Dessa forma, o único imóvel residencial, ainda que em construção, encontra-se protegido pelo benefício concedido pela Lei 8.009/90, na medida em que o devedor e sua família pretendem nele residir permanentemente após a conclusão das obras. Precedentes.”

(STJ/DJU de 30/6/03, pág. 249)

Seguindo a linha de precedente, decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatora a ministra Nancy Andrighi, que o imóvel em construção, uma vez demonstrado que tem finalidade residencial e que a executada não possui outro, residindo em aparamento alugado, faz jus ao benefício da Lei 8.009/90, que o protege da penhora.

Consta do voto da relatora:

A questão posta a desate pelo recorrente consiste em aferir se o único imóvel de propriedade do devedor, que, apesar de se encontrar em fase final de construção, será destinado à moradia permanente de sua família, goza do benefício da impenhorabilidade concedido pela Lei 8.009/90.

A finalidade social dessa Lei é impedir a constrição patrimonial do imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, nos termos de seu art. 1.º, salvo nas hipóteses constantes de seu art. 3.º.

Dispõe o art. 5.º que, para efeitos de impenhorabilidade, há de ser considerada como residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Por sua vez, o parágrafo único do art. 1.º não garante a impenhorabilidade tão-somente do imóvel, mas também das construções nele edificadas, das plantações, das benfeitorias de qualquer natureza, de todos os equipamentos, inclusive de uso profissional, e dos móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Infere-se, pela interpretação desses dispositivos legais, que a Lei 8.009/90 não faz qualquer menção sobre o fato de o imóvel pretensamente impenhorável estar ou não em construção, limitando-se a ressalvar a impenhorabilidade das construções existentes no imóvel.

Assim sendo, conceder interpretação restritiva ao termo “construções” do parágrafo único do art. 1.º da Lei para que a impenhorabilidade alcance somente os imóveis já construídos importará necessariamente na desvirtuação da finalidade social desse diploma legal.

Resta provado nos autos que o recorrente e sua família moram de favor e aguardam o término da construção para que venham a residir definitivamente no imóvel penhorado.

Caso se mantenha a constrição e se permita que esse bem deixe de integrar o patrimônio do recorrente, o prejuízo daí advindo não será suportado somente por ele, mas por toda a sua família. Esse não é, evidentemente, o escopo social da Lei 8.009/90.

Nesse sentido está o acórdão proferido quando do julgamento do Recurso Especial 96.046, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 28.006.1999, assim ementado:

“PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO – PENHORA – IMÓVEL DESTINADO À RESIDÊNCIA, EM CONSTRUÇÃO – LEI 8.009/90 -IMPENHORABILIDADE – PRECEDENTES.

O imóvel residencial, próprio do casal é impenhorável. Demonstrado que o imóvel em construção tem finalidade residencial e que a executada não possui outro, residindo em apartamento alugado, faz jus ao benefício da Lei 8.009/90, que o protege da penhora.

Recurso conhecido e provido.”

A alegação de que o recorrente e sua família não residem no imóvel penhorado, o que permitiria, em princípio, a manutenção da constrição, não há como subsistir.

Já entendeu o STJ pela impenhorabilidade do único bem residencial de propriedade do casal, ou da entidade familiar, que se encontra locado. Nessa hipótese, ainda que a unidade familiar não resida no imóvel, a renda auferida com os alugueres destina-se à manutenção da família.

Confiram-se, a respeito, o Recurso Especial 415.765, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 5/8/2002, e do Recurso Especial 98.958, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 16/12/1996, assim ementado:

“Bem de família. Imóvel locado.

Se o único bem residencial do casal ou da entidade familiar está locado, servindo como fonte de renda para a subsistência da família, que passa a morar em prédio alugado, nem por isso aquele bem perde a sua destinação mediata, que continua sendo a de garantia à moradia familiar.”

A diferença existente entre a situação retratada nos precedentes citados e a apresentada neste processo reside no fato de que, como o imóvel penhorado ainda não se encontra finalizado para moradia, o recorrente não possui meios para explorá-lo economicamente.

Porquanto o TA/MG trilhou orientação diversa da preconizada pela jurisprudência firmada no STJ, o acórdão recorrido merece reforma.

Forte em tais razões, CONHEÇO do presente recurso especial pelas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional e DOU-LHE PROVIMENTO para determinar o levantamento da penhora incidente sobre o imóvel residencial de propriedade do recorrente, ainda que inacabado para moradia, por se tratar de bem impenhorável.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Ari Pargengler e Carlos Alberto Menezes Direito.

Execução penal. Homicídio qualificado. Sentença que estabelece o regime inicial fechado. Decisão não atacada. Possibilidade de progressão.

“RECURSO ESPECIAL N.º 479.262/MG

REL.: MIN. FÉLIX FISCHER

EMENTA – I – Se a decisão condenatória estabeleceu o regime inicial fechado e não tendo havido recurso da acusação, é de se supor que foi admitida a possibilidade de progressão. Inviável o apelo excepcional que, agora, pretende a incidência do art. 2.º, § 1.º da Lei n.º 8.072/90.

II – O paradigma, para caracterizar a divergência, deve alcançar as peculiaridades relevantes do v. decisório increpado.

Recurso não conhecido.”

(STJ/DJU de 14/4/030)

É conhecida a divergência pretoriana nessa questão, mesmo no seio do Superior Tribunal de Justiça. Enquanto alguns julgados entendem que nos crimes hediondos, ou assemelhados, estabelecido pela sentença que o regime inicial será o fechado, pode ocorrer a progressão desde que não tenha havido impugnação pelo Ministério Público, outras decisões proclamam que, mesmo constando da sentença o regime fechado, como inicial, o cumprimento de pena será integralmente fechado.

Nesta decisão de março do corrente ano, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Félix Fischer, seguiu a corrente que admite, nessa situação, a progressão do regime.

Consta do voto do relator:

O Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER: O v. acórdão reprochado está correto e calcado, inclusive, em manifestação do Parquet local de segundo grau (cf. fls. 67/69), de lavra do nobre procurador de Justiça Dr. Antônio de Pádua Pontes, que alertara, in verbis: “O ilustrado Magistrado de Primeira Instância, concedeu ao recorrido a progressão para regime menos gravoso, ao fundamento de que ele cumprira mais de um sexto da pena que lhe fora aplicada.

Segundo se observa do cálculo de liquidação de pena de fls. 10, o ora agravado cumpriu 633 dias, até o dia 18 de maio de 2000, os quais, acrescidos dos 142 dias relativos à remição, perfazem um total de 775 dias.

Observa-se ainda, que a decisão de fls. 48, que concedeu a progressão de regime, foi proferida em 10 de outubro de 2001, ou seja, mais de um ano e quatro meses após o cálculo feito às fls. 10, quando o agravado já havia alcançado o período mínimo previsto em lei para a concessão da progressão, razão pela qual, a nosso sentir, preenchido está o requisito objetivo.

Por outro lado, os requisitos subjetivos foram satisfeitos, segundo se depreende dos documentos acostados aos autos.

Já no que pertine aos crimes praticados – homicídio qualificado, em sua forma consumada e tentada -, embora etiquetados por lei como hediondo, data venia, também não assiste razão ao douto promotor de Justiça.

Consoante regra insculpida no art. 2.º, § 1.º, da Lei 8.072/90, que cuida do regime prisional dos crimes considerados hediondos, “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”.

Todavia, segundo se infere dos autos, lamentavelmente, inexistiu recurso da acusação e o regime fixado foi o inicialmente fechado, tendo a sentença transitada em julgada (fls. 21).

A jurisprudência predominante dos nossos tribunais, tem admitido que, uma vez fixado o regime inicial fechado para o cumprimento da pena, com sentença trânsita em julgado para a acusação, é viável a progressão para regime prisional menos gravoso. A esse respeito reproduzimos aresto da 1.ª Câmara Criminal do TJMG:

“Se a sentença condenatória, confirmada em grau de recurso, estabeleceu para o réu o cumprimento da pena de reclusão em regime fechado, e não integralmente fechado, não obstante tenha ele praticado crime hediondo, tal decisão viabiliza a progressão do regime, sendo de se aplicar ao caso a Súmula n.º 50 da jurisprudência predominante na Primeira Câmara Criminal do TJMG, segundo a qual, ‘na sentença condenatória transitada em julgado, havendo dúvida a respeito do regime prisional imposto, deve ser ela interpretada sempre a favor do condenado” (Recurso de Agravo n.º 138.663/0 – Comarca de Passos – Rel. Des. Edelberto Santiago – Publ. no “MG” de 20.08.99).

Ademais, a execução da pena se faz com suporte no título executivo judicial, e este fixou o regime prisional inicialmente fechado, não restando outra alternativa ao órgão do Ministério Público, a não ser fiscalizar as condições ínsitas na Lei de Execução Penal para a progressão.

Ante o exposto, manifestamo-nos pelo conhecimento e desprovimento do recurso aviado, com a conseqüente manutenção da r. decisão agravada, por se de lídima e salutar JUSTIÇA.” (Fls. 68/69).

Vale dizer, o v. paradigma arrolado na peça recursal não trata de questão idêntica. Uma é dizer qual a sistemática de execução, outra é a sua omissão. Aqui, sem recurso da acusação, o MM. juiz de Direito, ainda que, no meu modo de ver, erradamente, estabeleceu o regime inicial, deixando em aberto a possibilidade de progressão. A matéria está preclusa e o inconformismo excepcional, in casu, não encontra o menor amparo legal.

Não conheço do recurso.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho

é advogado criminalista e professor da Escola da Magistratura.