“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 13.324-RS

REL.: MIN. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO

EMENTA – 1 – A alegação de impossibilidade de pagamento ou a falta de condições financeiras para arcar com pensão alimentícia envolve matéria referente à prova, não sendo possível o seu exame na via estreita do habeas corpus. Precedentes.

II – Os antecedentes próximos (avós) poderão suplementar a pensão sempre que as necessidades do menor não puderem ser integralmente satisfeitas pelos pais. Precedentes.

III – Recurso desprovido.”

(STJ/DJU de 16/12/02, pág. 307)

Na linha de diversos precedentes, decidiu, mais uma vez, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma, relator o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, no sentido de que os ascendentes próximos (avós) poderão ser chamados a suplementar a pensão sempre que as necessidades do menor (neto) não puderem ser integralmente satisfeitas pelos pais.

Consta do voto do relator:

Exmo. sr. ministro Antônio de Pádua Ribeiro: pelo que consta dos autos a ora recorrente foi condenada a pagar alimentos provisórios em favor de seu neto, fixados estes em um salário mínimo (fls. 14).

Não cumprida a sentença, foi proposta ação de execução de alimentos, na qual a recorrente foi citada, em 16/2/2002, para efetuar o pagamento em 03 dias, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, sob pena de prisão (fls. 24).

Não oferecendo qualquer resposta, foi decretada a prisão civil em 21.3.2002 (fls. 29).

Nada há, pois, de ilegal no ato judicial, como decidiu o acórdão recorrido.

Conforme informações da MMª juíza de Direito, desde o ajuizamento da ação até aquela data, a ora recorrente só havia depositado o valor de R$ 361,46, quando o débito já estava em R$ 1.139,97 (fls. 84). Afirma a recorrente incapacidade financeira para quitar o débito

Ocorre que não é o habeas corpus o meio processual para se rediscutir o valor dos alimentos fixados ou a impossibilidade de pagá-los, uma vez que envolve fatos controvertidos, dependentes de investigação probatória, para o que não se presta o writ.

Nesse sentido é a jurisprudência tranqüila desta Corte, como se pode ver das seguintes ementas:

“(…)

Alegações de excesso nos valores cobrados, de recusas injustificadas de abatimentos no débito e de incapacidade financeira do devedor constitutem fatos controvertidos, dependentes de investigação probatória a que não se presta o habeas corpus.

Recurso ordinário não conhecido.” (RHC 9.434-RJ, rel. min. César Asfor Rocha, DJ de 27.3.2000).

“(…)

II – O habeas corpus não se mostra como via hábil para o exame de matéria concernente a fatos e provas, à impossibilidade de pagamento ou falta de condições financeiras.

(…).” (HC 17.270 – SP, rel. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 12.8.2002).

“Habeas corpus. Prisão civil. Execução de dívida alimentar.

I – A alegação de que o paciente não tem condições financeiras para arcar com a pensão envolve matéria referente à prova, não sendo possível o seu exame na via estreita do habeas corpus.

(…).” (HC 20.726-SP, de minha relatoria, DJ de 13.5.2002).

Em relação aos documentos acostados aos autos, como já afirmado anteriormente, não é a via do habeas corpus apropriada para o seu exame.

Não procede a afirmação de que, por ser avó, não é sua a obrigação principal de pagar alimentos a seu neto, mas dos pais, e que somente a estes deve ser imputada a pena de prisão.

Este Tribunal tem decidido que sempre que as necessidades do menor não puderem ser integralmente satisfeitas pelos pais, poderão suplementar a pensão os ascendentes próximos (avós).

Vejam-se as seguintes ementas:

“(…)

II. O art. 397 do Código Civil Brasileiro, ao dispor sobre o direito à prestação alimentar, não excluiu a responsabilidade solidária dos ascendentes próximos. Sendo insuficiente a capacidade econômica do pai para arcar integralmente com o dever jurídico dos alimentos devidos ao filho, poderão suplementar a pensão os ascendentes próximos (avós), na medida de suas possibilidades, apuradas em juízo.

(…)” (Resp 81.838-SP, rel. min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 4.9.2000).

“ALIMENTOS. Avô. Impossibilidade de o menor receber alimentos do pai.

A responsabilidade alimentar do avô tem como pressuposto a `falta’ dos pais (art. 397 do C. Civil), a ela equiparada a incapacidade de o pai cumprir com sua obrigação, inadimplente durante meses, e sem que o credor tivesse algum êxito no processo de execução em curso.

Recurso conhecido e provido para admitir a legitimidade passiva do avô paterno.” (Resp 169.746-MG, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 23.8.1999).

“CIVIL. ALIMENTOS. COMPLEMENTAÇÃO PELO AVÔ. O avô está obrigado a complementar os alimentos, sempre que as necessidades do menor não puderem ser integralmente satisfeitas pelos pais. Recurso especial não conhecido.” (Resp 268.212-MG, rel. min. Ari Pargendler, DJ de 27.11.2000).

“AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR NETO CONTRA OS AVÓS PATERNOS. EXCLUSÃO PRETENDIDA PELOS RÉUS SOB A ALEGAÇÃO DE QUE O PROGENITOR JÁ VEM CONTRIBUINDO COM UMA PENSÃO. ART. 397 DO CÓDIGO CIVIL.

O fato de o genitor já vir prestando alimentos ao filho não impede que este último possa reclamá-la dos avós paternos, desde que demonstrada a insuficiência do que recebe.

A responsabilidade dos avós não é apenas sucessiva em relação à responsabilidade dos progenitores, mas também é complementar para o caso em que os pais não se encontrem em condições de arcar com a totalidade de pensão, ostentando os avós, de seu turno, possibilidades financeiras para tanto.

Recurso especial não conhecido.” (Resp 70.740-SP, rel. min. Barros Monteiro, DJ de 25.8.1997).

No caso dos autos, a ação de alimentos foi proposta porque, segundo se alegou, o pai do autor não cumpre com a obrigação acordada, estando com pena de prisão decretada, “deixando o autor no abandono” (fls. 64).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

Decisão por unanimidade, votando com o relator os ministros Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito.

 

Penal. Júri. Legítima defesa argüida pelo réu em seus interrogatórios. Desconsideração pela defesa técnica. Ocorrência de prejuízo. Nulidade do julgamento.

“HABEAS CORPUS

N.º 21.344 – DF

REL: MIN. GILSON DIPP

EMENTA

I – O princípio da ampla defesa, assegurado pela Constituição Federal, deve ser caracterizado pelo exercício real e efetivo da defesa do acusado, e não apenas pela concessão de oportunidade para o réu se defender, ainda mais no âmbito do processo penal, por estar em jogo o status libertatis do indivíduo.

II – Ante a deficiência de defesa do paciente, que deixou de sustentar a tese de excludente de ilicitude – legítima defesa – por ele insistentemente argüida durante todos os seus depoimentos no processo criminal, e que poderia ensejar a sua absolvição, resta demonstrada a ocorrência de prejuízo, nos termos do verbete da Súmula n.º 523 do Supremo Tribunal Federal.

III – Não se pode atribuir aos requisitos formulados pelo juiz presidente qualquer nulidade, se evidenciada elaboração em consonância com os pedidos feitos em plenário, tanto pela acusação, quanto pela defesa, e se os defensores se limitaram a permanecer silentes.

IV – Se não foi sustentada a tese de legítima defesa pelo patrono do acusado, não há que se falar em obrigatoriedade de formulação de quesito a esse respeito.

V – Tratando-se de evidente deficiência de defesa técnica, é nulo o julgamento do Tribunal Popular em razão da grave falha dos patronos do paciente e, não, por nulidade na formação dos quesitos – o que não ocorreu.

VI – Ordem concedida para, reformando-se o acórdão impugnado, anular-se o julgamento do Tribunal do Júri, a fim de que a outro seja submetido o paciente.”

(STJ/DJU de 16/9/02), pág. 213)

Cuida-se no presente caso de descompasso entre a autodefesa formulada pelo réu em seus interrogatórios e a defesa técnica exercida por seus advogados. Enquanto o réu argüiu a legítima defesa, os seus advogados sustentaram apenas a ocorrência de homicídio simples, pedindo a exclusão da qualificadora.

Considerou o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, relator o ministro Gilson Dipp, que o julgamento estava nulo porque ampla não foi a defesa, uma vez que seus defensores não sustentaram a tese da excludente da ilicitude (legítima defesa) argüida pelo réu.

Consta do voto do relator:

O Exmo. Sr. Ministro Gilson Dipp (relator): Trata-se de habeas corpus contra acórdão do e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que negou provimento ao recurso de apelação interposto em favor de Valdacir de Freitas, visando à anulação do julgamento proferido pelo Tribunal do Júri.

O paciente foi condenado à pena de 12 anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do delito tipificado no art. 121, § 2.º, inciso I, do Código Penal.

Em razões, sustenta-se a deficiência na defesa do paciente pelos fundamentos a seguir.

A impetração refere que, não obstante o paciente ter sustentado a tese de legítima defesa em todos os seus depoimentos durante trâmite processual até o julgamento, o defensor não teria feito qualquer alusão aos argumentos insistentemente postos pelo réu quando dos debates orais na Sessão Plenária do Tribunal do Júri, além de que, na mesma oportunidade, teria dispensado a oitiva de todas as testemunhas.

Aduz, ainda, que o juiz presidente do Tribunal do Júri teria deixado de formular quesito obrigatório relacionado à legítima defesa.

Pugna-se, então, pela anulação do julgamento, a fim de que a outro seja submetido o paciente, com a devida apreciação da tese da legítima defesa.

Merece prosperar a irresignação.

A impetração traz como argumentação básica o aspecto da deficiência da defesa do paciente, sustentando, para tanto, que os advogados não teriam levantado a tese de legítima defesa, não obstante ter sido esta a versão sustentada pelo réu em todos os seus depoimentos, desde a fase policial até o julgamento do Tribunal Popular.

Consta da exordial acusatória:

“No dia 13 de maio de 1994, por volta das 20h, na QNN 22, Conj. `A’, via pública da Ceilândia Sul, o denunciado, consciente e voluntariamente, com intensa vontade de matar, fazendo uso de um revólver, calibre 38, efetuou vários disparos contra Willer Antônio Pains, tendo este falecido em decorrência dos ferimentos experimentados, conforme laudo cadavérico de fls. 17/20.

O denunciado usou de recurso que impossibilitou por completo qualquer ação da vítima, uma vez que consumou seu intento homicida quando esta já se encontrava ferida, caída ao solo, e efetuou mais três disparos nas suas costas.

Consta dos autos que a vítima deveria certa quantia em dinheiro ao denunciado, e por este motivo o abordou na rua, vindo, em conseqüência a matá-la.

Estando, assim, incurso nas penas do art. 121, § 2.º, inciso I e IV, do Código Penal Brasileiro” (fls. 10/11).

No interrogatório policial, o paciente declarou que estava dirigindo seu carro quando avistou a vítima – Willer – nas imediações da avenida. Então, decidiu ir até lá para conversar com a mesma a respeito do pagamento dos cheques. Quando se aproximou, Willer, sem nada ter dito, teria recuado e feito menção de que iria “sacar alguma coisa na cintura“, momento em que teria se utilizado de seu revólver contra a vítima, com o intuito de defender-se (fls. 13/14). Interrogado em juízo, o paciente respondeu que, no momento em que se aproximou da vítima para tratar sobre os cheques, a mesma teria se afastado e levado a mão à cintura, como se fosse puxar uma arma. Continuou, o acusado, dizendo que se assustou com o gesto da vítima e, em seguida, desfechou tiros contra ela (fl. 52 – verso).

Por ocasião da sentença de pronúncia, o MM. juiz monocrático destacou que o paciente, por ocasião de seu interrogatório, teria sustentado a tese de legítima defesa, narrando os fatos de forma diversa da constante na peça acusatória (fls. 23/24).

Em seguida, na Sessão Plenária do Tribunal do Júri, o paciente, ao ser interrogado, respondeu. em síntese, que agira em legítima defesa, pois, na ocasião em que teria ido conversar com a vítima sobre o ressarcimento da dívida, a mesma se afastou e levou a mão à cintura, como se fosse tirar uma arma. O paciente declarou que ficou com medo e, por isso, disparou tiros contra a vítima (fl. 27).

Em sede de alegações finais, a defesa do paciente, patrocinada pela dra. Vânia Tavares Rocha, limitou-se a sustentar a tese de homicídio simples, pugnando-se pela exclusão das qualificadoras dos incisos I e IV do § 1.º do art. 121 do Código Penal (fls. 20/22).

Por ocasião da Sessão Plenária de julgamento pelo Conselho de Sentença do Tribunal Popular, depreende-se da ata que a defesa do paciente, desta vez promovida pela Defensoria Pública, tendo em vista a renúncia da advogada inicialmente constituída (fl. 58), mais uma vez não deu crédito à versão de legítima defesa sustentada pelo acusado, reafirmando a tese de desclassificação para homicídio simples:

“(…) Dada a palavra à defesa, esta sustentou em plenário a tese de homicídio simples, ou seja, requereu a exclusão da pena qualificadora” (fl. 62).

Ato contínuo, não tendo sustentada a tese de legítima defesa pelos patronos do paciente, o MM. juiz presidente não formulou quesito a esse respeito. Assim, os quesitos foram elaborados em conformidade com os pedidos feitos em Plenário (fl. 62), totalizando cinco perguntas, quais sejam: 1) “Na data de 13 de maio de 1994, por volta das 20h, na QNN 22, conjunto “A”, Ceilândia Sul, o réu Valdacir de Freitas efetuou disparos de fogo contra Willer Antônio Pains, atingindo-o e causando-lhe as lesões descritas no laudo de exame cadavérico acostado às folhas 20/23?”; 2) “Ditas lesões, pela natureza, gravidade e sede, foram a causa eficiente da morte da vítima?”; “O réu agiu por motivo torpe, vingança?”; 4) “Há circunstâncias atenuantes? Quais?”; 5) “Há circunstâncias agravantes? Quais?”.

Diante dos fatos acima expostos, tenho que os autos refletem, de pronto, a deficiência na defesa técnica do réu, o que acarretou efetivo prejuízo ao mesmo.

Isso porque a defesa questionou, simplesmente, nas alegações finais, a forma qualificada do crime de homicídio, pugnando pela desclassificação para homicídio simples. Não houve tese alternativa que considerasse a versão do acusado.

Durante os debates na Sessão Plenária do Júri, apesar da insistência do réu na tese de legítima defesa, os patronos do paciente continuaram a infirmar a forma qualificada do delito.

Restou clara a explicação dada pelo réu, a respeito da prática delitiva, durante toda a instrução do processo, sendo que apenas o advogado subscritor do recurso de apelação da sentença condenatória – terceiro defensor do paciente no feito criminal – cuidou de ratificar a versão do paciente (fls. 30/33).

O princípio da ampla defesa, assegurado pela Constituição Federal em seu art. 5.º, inciso LV, deve ser caracterizado pelo exercício real e efetivo da defesa do acusado, e não apenas pela concessão de oportunidade para o réu se defender, ainda mais no âmbito do processo penal, por estar em jogo o status libertatis do indivíduo.

A corroborar tal entendimento, trago à colação o seguinte precedente desta Corte:

“Processual penal. Habeas corpus. Júri. Homicídio qualificado. Tese. Defesa.

I – Todo e qualquer réu, não importa a imputação, tem direito a efetiva defesa no processo penal (arts. 261 do CPC e 5.º, inciso LV, da Carta Magna). O desempenho meramente formal do defensor, em postura praticamente contemplativa, caracteriza a insanável ausência de defesa (precedentes do Pretório Excelso).

II – (…)

Habeas corpus concedido.”

(HC 19192/SP, DJ de 6/5/2002, relator o ministro Félix Fischer)

Dessarte, ante a deficiência de defesa do paciente, que deixou de acolher a tese de excludente de ilicitude – legítima defesa – o que poderia ensejar a sua absolvição, evidencia-se a ocorrência de prejuízo, nos termos do verbete da Súmula n.º 523 do Supremo Tribunal Federal:

“No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.”

Cabe a ressaltar, ainda, de que não se pode atribuir aos requisitos formulados pelo juiz presidente qualquer nulidade, se evidenciada elaboração em consonância com os pedidos feitos em Plenário, tanto pela acusação, como pela defesa, e se os defensores se limitaram a permanecer silentes.

Em outros termos, se não foi sustentada a tese de legítima defesa pelo patrono do acusado, não há que se falar em obrigatoriedade de formulação de quesito a esse respeito.

Contudo, a hipótese do presente writ cuida de evidente deficiência técnica, sendo nulo o julgamento do Tribunal Popular em razão da grave falha dos patronos do paciente e, não, por nulidade na formulação dos quesitos – o que, como já destacado, não ocorreu.

Diante do exposto, concedo a ordem para, reformando o acórdão impugnado, anular o julgamento do Tribunal do Júri, a fim de que a outro seja submetido o paciente.

É como voto.

Decisão por unanimidade, votando com o relator os ministros Jorge Scartezzini e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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