Advogado. Direito de entrevistar-se com magistrado. Fixação de horário. Ilegalidade.

RECURSO ORDINÁRIO EM MS N.º 13.262-SC

REL. P/ ACÓRDÃO: MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

EMENTA – É nula, por ofender ao Art. 7.º, VIII da Lei 8.906/94, a Portaria que estabelece honorários de atendimento de advogados pelo juiz”.

(STJ/DJU de 30/9/02, pág. 157)

O doutor juiz de Direito da 2.ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões da Comarca de Florianópolis, Santa Catarina, estabeleceu, através do Edital n.º 001/2000, regime de horário de atendimento ao público e aos advogados “das 11h às 12h e das 14h às 15h”.

Contra esse ato, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina – impetrou mandado de segurança, mas não obteve êxito uma vez que a Quarta Câmara do Tribunal de Justiça de Santa Catarina denegou a ordem em acórdão que restou assim ementado:

“Mandado de Segurança – Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina – Portaria exarada pelo Titular de Vara ou Comarca estabelecendo horário de atendimento às partes e Advogados – Estrita obediência as normas internas de administração do Judiciário – Intromissão de entidade representativa de classe na administração interna do Poder Judiciário – Inadmissibilidade – Ausência de direito líquido e certo – Segurança denegada. O EOAB não obstante seja Lei Federal não tem o condão de sobrepor-se às normas internas de administração do Poder Judiciário, instando o magistrado a desobediência de ordem legal emanada de autoridade hierarquicamente superior. O ordenamento jurídico nacional não admite a intromissão de entidade representativa de classe na administração dos Poderes do Estado, por ofensa ao estatuído no artigo 99, da CF/88″(fl. 33)

Irresignada, a Seccional impetrante interpôs recurso ordinário constitucional que veio a ser provido por maioria de votos pelos integrantes da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator para acórdão o ministro Humberto Gomes de Barros acompanhado pelos ministros José Delgado e Luiz Fux.

Votou vencido o relator originário, ministro Garcia Vieira.

Consta do voto vencido:

O Exmo. sr. ministro Garcia Vieira (relator): A irresignação recursal, como se verifica, é contra o açórdão que denegou a ordem em mandado de segurança impetrado pela Seccional da OAB em Santa Catarina contra ato de juiz de Direito, mediante o qual foi estabelecido o horário das 11h às 12h e das 14h às 15h, reservado ao atendimento das partes e dos advogados.

Insurge-se a impetrante, ora recorrente, contra tal decisão, por entender, fundamentalmente, que não se trata de intromissão na esfera administrativa do Poder Judiciário, mas da defesa de prerrogativas profissionais asseguradas pela Constituição Federal (arts. 59 e 133), bem como pelo Estatuto da Advogada e da OAB (arts. 6.º e 7.º, inciso VIII, da Lei 8906/94).

Não há negar que tanto a Carta Magna quanto o Estatuto da Advocacia e da OAB garantem ampla e merecida proteção ao advogado no pleno exercício da sua atividade profissional, não sendo dado a ninguém desconhecer que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável pelos atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (art. 133 da CF).

Do mesmo modo, é sabido e consabido que outros direitos e prerrogativas lhe são asseguradas, a fim de que possa exercer, com liberdade, a profissão, a exemplo da inviolabilidade do local de trabalho, sigilo profissional, comunicação pessoal e reservadamente com seus clientes presos, ingresso livre nas salas de audiências de sessões dos tribunais, repartição judicial ou serviço público e tantos outros, entre os quais está incluído o de “dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada” (art. 7.º, VIII, do EOAB).

Se ao advogado é permitido dirigir-se diretamente ao magistrado, sem que tenha horário marcado, há de convir que devem ser observadas, evidentemente, determinadas regras de natureza ética e de convívio respeitoso, necessárias e convenientes ao perfeito funcionamento da prestação jurisdicional.

Nesse sentido, e ao atento exame dos elementos de instrução de instrução do processo, não me parece que o digno magistrado subscritor do ato impugnado tenha extrapolado os limites estabelecidos nos princípios constitucionais e legais invocados pela recorrente. É só ver que, ao estabelecer o horário de atendimento aos advogados, para dar cumprimento ao artigo 418 do Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina, o MM juiz de Direito fez constar do malsinado edital que, “em casos urgentes, os advogados serão atendidos a qualquer tempo” (fl 08).

Ao meu sentir, portanto, andou bem a Câmara Julgadora a quo, ao reconhecer que não havia nos autos demonstração de ameaça ou lesão de direito líquido e certo da impetrante, além de não se poder retirar do magistrado “o direito de organizar seu dia de trabalho, delimitando seu horário de expediente, de ordenar o andamento de sua Vara ou Comarca” (fl. 35).

Por fim, cabe destacar, por oportuno, as ponderadas e judiciosas razões oferecidas no parecer do Representante do Ministério Público Local, neste excerto do seu brilhante parecer:

“Deveras, ao atentarmos para a providência tomada pelo impetrado, inferimos que a mesma configura mera obediência à determinação prescrita pelo art. 37 do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina e pelo art. 418 do Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina. Com efeito, não houve ato ilegal, mas, ao revés, estrito cumprimento de normas às quais está adstrito o magistrado.

De outra banda, é curial que ressaltemos a validade do ato impugnado, no sentido de que permite ao juiz melhor cuidar de seus elevados e prestimosos serviços, vez que este pode se dedicar com maior tranqüilidade e acuidade à prolação de sentenças, decisões interlocutórias e despachos, bem assim à condução de audiências e outros atos processuais igualmente importantes, sem ser constantemente interrompido pela chega de advogados que, não raro sem ter sido impulsionados por fatos que demandem urgência e presteza, o impedem de levar a cabo seu labor.

Insta-nos gizar, de outro vértice, que a delimitação de um horário destinado ao atendimento dos advogados lhes é benéfica, porquanto lhes poupa a infindável e fatigante espera pelo término de audiências e de outras atividades desenvolvidas pelo magistrado e que lha impedem de dedicar àqueles um quinhão de seu tempo, naquele exato momento. Com supedâneo no arrazoado, em que se pese a inegável e meritória relevância do múnus exercido pela classe representada pela impetrante, que encontra abrigo na Norma Ápice de nosso ordenamento jurídico – a qual alçou a figura do advogado ao patamar da indispensabilidade à administração da justiça -, não nos parece delineado qualquer direito líquido e certo da impetrante cujo exercício esteja sendo obstado pelo ato inquinado de ilegal”(fl. 28).

Com estas considerações, nego o provimento ao recurso.

Consta do voto vencedor:

Ministro Humberto Gomes de Barros: – Sr. presidente, data venia, é melhor que não haja essa Portaria, porque, na verdade, não diz nada.

Recebe-se o advogado a qualquer hora, verificada a urgência.

Dou provimento ao recurso.

Decisão por maioria, votando com o relator os ministros José Delgado e Luiz Fux.

Penal. Receptação. Talonário de cheques. Valor econômico. Inexistência.

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 12.738-SP

REL.: MIN. PAULO GALLOTTI

EMENTA – Talonário de cheques não pode ser objeto de receptação, por não possuir, em si, o valor econômico indispensável a caracterização de crime contra o patrimônio.

Precedentes.

Recurso provido.”

(STJ/DJU de 30/9/02, pág. 289)

Decidiu a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Paulo Gallotti, que talonário de cheque não pode ser objeto de crime de receptação por não possuir, em si, o valor econômico indispensável à caracterização de crime contra o patrimônio.

Em decisão anterior a mesma Turma já havia proclamado que também cartão de crédito não pode ser objeto do crime de receptação.

Consta do voto do relator:

O senhor ministro Paulo Gallotti (relator):

Conforme ficou assentado no relatório, o recorrente já foi posto em liberdade e, na mesma oportunidade, os autos foram encaminhados ao Ministério Público para que fosse proposta a suspensão do processo nos termos da Lei n.º 9.099/95.

Portanto, das questões submetidas ao crivo desta Corte, resta-nos, tão-somente, decidir se portar talão de cheques roubado de terceiro, sabendo ser produto de crime, constitui o delito tipificado no artigo 180 do Código Penal, pelo qual o recorrente foi condenado em primeira instância.

De acordo com a jurisprudência trazida pelo ora recorrente, este Tribunal já se pronunciou a respeito do tema ora proposto.

Confira-se:

“Recurso especial. Penal. Furto. Receptação. Talonário de cheques. Objeto material. Possibilidade.

O delito, no estágio atual do Estado de Direito Democrático, encerra sempre a conduta. Ação ou omissão, pouco importa. Fundamental, indispensável, porém, o comportamento do homem. Além disso, reclama-se, para efeito de tipicidade, configurar o evento. Não é exaustivo o impacto no plano físico. O conceito, insista-se, é normativo: reclama, por isso, dano, ou perigo, ao bem juridicamente tutelado, ao lado do objeto material e do sujeito passivo, entendido como titular do objeto jurídico. O dano pode ser material ou moral. O perigo, por sua vez, probabilidade (não se confunde com a possibilidade) de dano. Não obedecido esse esquema, o raciocínio passa a ser próprio do mundo da natureza, que não se coaduna, na espécie, com os requisitos jurídicos. O Direito tem seu método. Se não observado, a conclusão, com certeza, será equivocada. O homicídio é crime porque elimina a vida do homem. A calúnia afeta a honra. O furto diminui o patrimônio. A literatura alemã, por influência jurisprudencial, construiu a doutrina da insignificância, cuja divergência é restrita ao seu efeito, ou seja, se elimina a culpabilidade, ou repercute na própria tipicidade. Aliás, a sensibilidade dos romanos consagrou – de minimis non curat praetor. O prejuízo não é qualquer dano material, de que são exemplos o ligeiro corte na cutícula pela manicure, ou o queimar, sem maior importância, as pontas dos cabelos da cliente. Nesta linha, Betiol, Anibal Vruno, Mantovani, Maurach. O talonário de cheques, dada a insignificância de valor econômico, não se presta a ser objeto material do crime de furto, ou de receptação. Esta conclusão não se confunde com conduta que se vale do talonário para praticar crime, de que o estelionato e o falso são ilustração. (REsp n.º 150.908/SP, relator p/acórdão o ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 19/10/1998).

Ainda:

“Recurso especial. Receptação. Talonário de cheques e cartão de crédito. Valor econômico. Inexistência. Violação ao artigo 384 do CPP. Não ocorrêcia. Dissídio jurisprudencial não comprovado.

1 – A divergência jurisprudencial não resta demonstrada, pois o acórdão paradigma refere-se ao crime de furto, enquanto o recorrido trata da receptação.

2. Não há falar em violação ao artigo 384 do CPP, porquanto o acórdão está em harmonia com o entendimento jurisprudencial dominante, a teor do disposto na Súmula 453 do Supremo Tribunal Federal.

3 – Talonário de cheques e cartão de crédito não podem ser objeto de receptação, por não possuírem, em si, o valor econômico indispensável à caracterização de crime contra o patrimônio. Precedente.

4 – Recurso não conhecido.

(REsP n.º 256.160/DF, relator o ministro Fernando Gonçalves, DJU de 15/4/2002).

O voto do ministro Fernando Gonçalves é preciso no ponto:

“Com efeito, o crime de receptação encerra violação ao patrimônio. Para ocorrer o crime, é necessário, portanto, que o objeto primeiramente furtado e então entregue ao receptador tenha conteúdo econômico, pois, se assim não fosse, restaria descaracterizada a agressão ao bem jurídico objeto da proteção legal. A norma do artigo 180 do Código Penal visa, dessa forma, resguardar bens cujo valor econômico seja relevante. Um talonário de cheques e um cartão de crédito não possuem valor econômico intrínseco. O prejuízo da vítima seria relevante no momento em que ocorresse o estelionato, e, nesse caso, a receptação restaria absorvida pelo ilícito mais gravoso.

Adotando essa mesma fundamentação, dou provimento ao recurso e determino o trancamento da ação penal por ausência de justa causa.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Vicente Leal, Fernando Gonçalves e Hamilton Carvalhido.

Processual Penal. Sustentação oral. Direito da defesa. Pedido de Preferência. Indeferimento. Nulidade do julgamento.

“HABEAS CORPUS N.º 21.995 ? RS

REL. P/ ACÓRDÃO: MIN. FELIX FISCHER

EMENTA ? Processual Penal. Habeas corpus.

Decreto-lei n.º 201/67. Competência originária. Defesa final.

A defesa final que antecede o iudicium causae é indispensável e a sua ausência gera nulidade absoluta.

Writ concedido.

(STJ/DJU de 30/09/02, pág. 275).

Tendo havido substabelecimento do advogado constituído, sem reservas, em véspera de julgamento, o novo defensor requereu adiamento da sessão do julgamento da ação penal originária, pedido este que foi indeferido.

Impetrado “habeas corpus” no Superior Tribunal de Justiça, foi deferido pela Quinta Turma, relator o ministro Félix Fischer, acompanhado pelos ministros Gilson Dipp e Jorge Scartezzini. Votou vencido o relator originário, ministro José Arnaldo da Fonseca.

Consta do voto vencido:

“Não vejo, na hipótese, o alegado cerceamento de defesa a inquinar de eiva o julgamento ao qual foi submetido o paciente.

É que, não obstante ter sido indeferido o pedido de adiamento formulado pelo advogado substabelecido, há de ser ressaltado que o feito já se encontrava em pauta, quando o casuístico peticionou à Colenda Câmara julgadora, alegando que necessitava estudar melhor o processo.

O fato é que como bem destacado pelo Tribunal a quo a petição foi protocolada no dia anterior à data de julgamento e estava descompanhada de qualquer justificativa, ou mesmo de qualquer pedido, de parte do defensor constituído no sentido de estar impossibilitado ou impedido de comparecer ao ato de julgamento, cuja presença se faz facultativa.

Mas não é só. A impossibilidade da presença do advogado à sessão de julgamento não basta para que se reconheça o direito à transferência de pauta, uma vez que há circunstâncias que podem autorizar o seu indeferimento.

Consta do voto vencedor:

Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: A defesa final que antecede o iudicium causae, no processo criminal, não é opocional ou facultativa. Ela é obrigatória, sendo uma imposição natural do devido processo legal e da necessidade da efetiva defesa (art. 5.º incisos LIV e LV da Lex Fundamentalis).

A própria defesa meremente formal não preenche os requisitos exigidos constitucionalmente. Por maior razão, a inexistência da defesa (v.g., súmula n.º 523-STF // STF: HC 73227/RS 2.ª Turma, relator Min. Maurício Corrêa, DJU de 25/10/96 // STJ: RHC 10186/RS, 5.ª Turma, relator Min. Edson Vidigal, DJU 2/4/01).

Qualquer manobra havida como protelatória poderia implicar na nomeação de defensor (ou a substituição) com a imediata comunicação à OAB. No entanto, a ausência de defesa deveria ter sido, com antecedência razoável (dada a sua relevância evidente), suprida e não relegada a um plano secundário.

Voto pela concessão da ordem.

Decisão por maioria, votando com o Relator os Ministros Gilson Dipp e Jorge Scartezzini.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.