Administrativo. Juiz de Direito. Proibição de se ausentar da comarca, sob pena de perda de subsídios. Ilegalidade. Matéria reservada à Lei Complementar.

EMENTA: Provimento de Tribunal de Justiça que proíbe os juízes de se ausentarem das comarcas, sob pena de perda de subsídios: matéria reservada à Lei Complementar.

Procedência da ação direta para declarar a inconstitucionalidade formal do provimento impugnado.? (STF/DJU de 17/12/04)

O Tribunal de Justiça do Pará editou o provimento n.º 001/2003 nos seguintes termos:

Art. 1.º Proibir, aos excelentíssimos senhores juízes de direito do interior do Estado que se ausentem das Comarcas onde estejam lotados ou substituindo, a não ser em gozo de férias ou licenças concedidas pela presidência deste Tribunal de Justiça e após transmitir ao seu substituto o exercício do cargo, sob pena de perda nos seus subsídios.

Art. 2.º Determinar aos excelentíssimos senhores juízes de direito do interior do Estado que nos casos de licença por motivo de doença, fazendo-se urgente a saída do local de trabalho ou da comarca, expeçam comunicação via fax à presidência do Tribunal e à Corregedoria de Justiça, ingressando no prazo de 48 horas, com o respectivo pedido de licença, instruído com o atestado médico competente.

Contra semelhante provimento, a Associação dos Magistrados do Brasil – AMB – propôs perante o Supremo Tribunal Federal ação direta de inconstitucionalidade, sustentando a sua inconstitucionalidade formal, com base no artigo 93, caput e VII, da Constituição Federal, sob fundamento de que as prerrogativas e deveres inerentes à magistratura constituem a matéria a ser disciplinada em Lei Complementar, sendo, portanto, inconstitucional o ato administrativo que disponha sobre tais questões.

A ação foi julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, relator o ministro Sepúlveda Pertence com o seguinte voto:

I. Conheço a ação direta. A Associação autora é parte ativa legítima e a pertinência temática entre as suas finalidades institucionais e o objeto da ação direta – ato normativo que limitou a locomoção dos magistrados – é evidente.

II. O Provimento n.º 001/2003, editado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, proibiu os juízes do interior do Estado de se ausentarem nas suas comarcas, a não ser durante férias ou licenças concedidas pela presidência do Tribunal, sob a sanção de perda dos seus subsídios.

Os artigos impugnados têm o seguinte teor:

?Art. 1.º Proibir, aos excelentíssimos senhores juízes de direito do interior do Estado que se ausentem das Comarcas onde estejam lotados ou substituindo, a não ser em gozo de férias ou licenças concedidas pela presidência deste Tribunal de Justiça e após transmitir ao seu substituto o exercício do cargo, sob pena de perda nos seus subsídios.?

?Art 2.º Determinar aos excelentíssimos senhores juízes de direito do interior do Estado que nos casos de licença por motivo de doença, fazendo-se urgente a saída do local de trabalho ou da comarca, expeçam comunicação via fax à Presidência do Tribunal e à Corregedoria de Justiça, ingressando no prazo de 48 horas, com o respectivo pedido de licença, instruído com o atestado médico competente.?

Em caso semelhante, recentemente relatado pela em. ministra Ellen Gracie (ADIn 3.224), o Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade formal da Resolução n.º 22/2003, do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, que limitou – como no caso – a liberdade de locomoção dos magistrados.

No mesmo sentido: ADIn 2.753, Carlos Velloso, DJ 11/04/2003 e ADInMC 2.800, Gilmar Mendes, DJ 01/08/2003.

É certo que a Constituição determina a reserva de Lei Complementar para a disciplina da questão zelativa à residência do juiz na Comarca, conforme dispõe o seu artigo 93:

?Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

VII – o juiz titular residirá na respectiva comarca;?

A L.C. 35/79 (Loman), recebida pela Constituição Federal conforme entendimento consolidado desta Corte, v.g., ADIns 841, Carlos Velloso, DJ 21/10/94, 1.422, Ilmar Galvão, DJ 12/11/99 e 2.580, Carlos Velloso, DJ 21/02/2003, previu:

?Art. 35. São deveres do magistrado:

V. – residir na sede da comarca, salvo autorização do órgão disciplinar a que estiver subordinado;?

Verifica-se, assim, que a Loman tratou da questão acerca da residência do juiz da comarca sem impor qualquer restrição à sua locomoção.

Ora, o Provimento do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, ao proibir os juízes de se ausentarem das Comarcas, sob pena de perda dos subsídios – restrição sequer prevista na Loman – tratou de matéria reservada à Lei Complementar, incorrendo, portanto, em inconstitucionalidade formal.

Assim, de acordo com a jurisprudência desta Corte, julgo procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 1.º e 2.º do Provimento n.º 001/2003, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará: é o meu voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau.

Processual Penal. Ação penal privada. Aplicação do ônus da sucumbência. Possibilidade. Analogia com o art. 20 do CPC.

?RECURSO ESPECIAL N.º 612.772/RS

Rel.: Min. Laurita Vaz

EMENTA

1. Aplica-se na ação penal privada o disposto no art. 20 do Código de Processo Civil, devendo o vencido arcar com o ônus da sucumbência, nos termos do art. 3.º do Código de Processo Penal. Precedentes.

2. Recurso especial provido.?

(STJ/DJU de 02/08/04, pág. 546)

Na linha de precedentes, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, por sua Quinta Turma, relatora a ministra Laurita Vaz, que pode ser aplicado no processo penal, por analogia, o artigo 20 do Código de Processo Civil para garantir a condenação do vencido ao pagamento de honorários advocatícios na ação penal privada.

Consta do voto da relatora:

Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (relatora):

Assiste razão ao recorrente.

Com efeito, encontra-se assente nesta Egrégia Corte o entendimento de que, em razão do que dispõe o art. 3.º do Código de Processo Penal, aplica-se na ação penal privada o disposto no art. 20 do Código de Processo Civil, devendo o vencido arcar com o ônus da sucumbência.

Por oportuno, confiram-se os seguintes precedentes:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. APURAÇÃO. CRIME DE IMPRENSA. SUCUMBÊNCIA. CONDENAÇÃO. QUERELANTE. PAGAMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ADVOGADO. QUERELADO. APLICAÇÃO ANALÓGICA. PRINCÍPIO GERAL DA SUCUMBÊNCIA. PREVISÃO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. POSSIBILIDADE.

1. É admissível a condenação do vencido no pagamento das verbas sucumbenciais nos crimes de ação penal privada, incluidamente os honorários de advogado, por aplicação analógica do princípio geral da sucumbência, em razão da omissão existente na Lei de Imprensa.

2. Precedentes desta Corte Federal Superior e do Excelso Supremo Tribunal Federal." (REsp 275.650/SP, 6.ª Turma, rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 16/02/2004.)

"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 20 DO CPC AOS CASOS DE AÇÃO PENAL PRIVADA. ART. 3.º DO CPP. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA

Na ação penal privada incide o contido no art. 20 do CPC, observado o art. 3.º do CPP. (Precedentes).

Recurso especial provido." (REsp 272.727/SP, 5.ª Turma, rel. Min. FÉLIX FISCHER, DJ de 10/06/2002.)

"PENAL. CRIME DE IMPRENSA. CONDENAÇÃO. SUCUMBÊNCIA. ADMISSIBILIDADE NO PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL.

1. O silêncio da Lei Especial não afasta a aplicação de princípio geral. Cumpre ao vencido arcar com as custas processuais, sendo admitida a aplicação analógica do princípio da sucumbência (CPP, Art. 3.º).

2. Recurso a que se nega provimento." (REsp 178.477/MG, 5.ª Turma, rel. Min. EDSON VIDIGAL, DJ de 20/03/2000.)

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para, reformando o acórdão recorrido, determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que proceda à fixação dos honorários advocatícios.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.