Ação Civil Pública. Regulamentação de loteamentos para moradias populares. Legitimidade do Ministério Público.

RECURSO ESPECIAL N.º 404.759 – SP

Rel. Min. Humberto Gomes de Barros

EMENTA

1. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos, visando a regularização de loteamento destinado a moradias populares.

2. É no pólo ativo das demandas que o Ministério Público cumpre, de forma mais ampla, seu nobre papel de fiscal da lei.

3. O exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser admitido com largueza. Em verdade a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra o Poder Judiciário da maior praga que o aflige: a repetição de processos idênticos.

4. Recurso provido.

(STJ/DJU de 17/2/03, pág. 226)

O Ministério Público tem legitimação ativa ad causam para promover ação civil pública destinada à defesa dos interesses difusos e coletivos, incluindo aqueles decorrentes de projetos referentes ao parcelamento do solo urbano. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Primeira Turma, relator o ministro Humberto Gomes de Barros, com o seguinte voto condutor:

Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos, em que se configura interesse social relevante, como é a regularização de loteamentos destinados às moradias populares. Veja-se, a propósito:

“Administrativo. Processual Civil. Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). Interesses Individuais Homogêneos. Legitimação Ativa Ad Causam do Ministério Público.

1. O Ministério Público tem legitimação ativa ad causam para promover ação civil pública destinada à defesa dos interesses difusos e coletivos, incluindo aqueles decorrentes de projetos referentes ao parcelamento de solo urbano.

2. Precedentes jurisprudenciais.

3. Recurso provido.” (REsp 174.308/MILTON); e,

“(omissis)

– O Ministério Público é parte legítima para a defesa dos interesses dos compradores de imóveis loteados, em razão de projetos de parcelamento de solo urbano, face a inadimplência do parcelador na execução de obras de infra-estrutura ou na formalização e regularização dos loteamentos.

– A iterativa jurisprudência do Pretório Excelso acompanhada por incontáveis julgados desta Eg. Corte, vem reconhecendo a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

(omissis).” (REsp 108.249/PEÇANHA).

É no pólo ativo das demandas que o MP cumpre, de forma mais ampla, seu nobre papel de fiscal da lei. É assim que a Instituição tem alcançado a efetiva observância da lei.

O exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser admitido com largueza. Em verdade a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra o Poder Judiciário da maior praga que o aflige, a repetição de processos idênticos.

Dou provimento ao recurso, para o prosseguimento da ação.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros José Delgado, Francisco Falcão e Luiz Fux.

Processual Penal. Aditamento à denúncia e interrupção da prescrição.

HABEAS CORPUS Nº 23.493 – RS

Rel.: Min. FELIX FISCHER

EMENTA – O aditamento da denúncia não se constitui em causa interruptiva da prescrição quando se circunscreve a retificar lapso verificado por ocasião do oferecimento da exordial, consistente, apenas, na descrição de circunstâncias fáticas já conhecidas em momento anterior ao início da ação penal.

Ordem concedida.

(STJ/DJU de 15/9/03, PÁG. 334)

Na presente decisão posta em destaque, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, Relator o Ministro Félix Fischer, trás importantes considerações acerca da natureza e alcance do aditamento à denúncia, concluindo que o mesmo concluindo que o mesmo “pode ou não interromper o prazo prescricional, ex vi art. 117, inciso I, do Código Penal. Interrompe, sim, quando sob tal denominação a peça adicional apresenta o caráter, propriamente, de denúncia. Fora daí a alteração pode, conforme o caso, modificar o referido prazo mas não tem o condão de interrompê-lo. A mera retificação decorrente de lapso ou obscuridade fática na exteriorização da imputatio e calcada, principalmente, em dados previamente conhecidos se insere na modalidade de aditamento impróprio que não deve Ter força interruptiva.”

Obseva, ainda, que, mesmo em caso de “mutatio libelli” (alteração da classificação), o aditamento pode alterar o prazo prescricional, mas não o interrompe.

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: Antes da análise do objeto do writ, convém destacar alguns aspectos que envolvem a denominação aditamento, denominação esta que denota situações por vezes totalmente díspares em sede de natureza e conseqüências jurídicas (comparativamente: Marcellus Polastri in “O Aditamento à Denúncia”, no “Livro de Estudos Jurídicos”, n.º 2, ps. 319/335 e em “Temas Controvertidos de Direito e Processo Penal”, ps. 125/142; Júlio César Ribas in “O Aditamento no Processo Penal”, RT 464/295 – 318 e em “O Aditamento no Processo Penal”, Saraiva, com Jacques Camargo Penteado e Clóvis Almir Vital de Uzeda; verbete “Aditamento da denúncia” na Enciclopédia Savaiva de Direito”).

Primeiro, o aditamento pode ocorrer em várias hipóteses, a saber: em relação à denúncia, à queixa, ao libelo e à prova, etc.. Segundo, ele pode ser (quanto à denúncia, punctum saliens, do caso) espontâneo (que deveria ser, na prática, a regra, mormente em relação ao Parquet que é o dominus litis, merecendo destaque o insculpido no art. 129, inciso I da Carta Magna) ou provocado (v.g. arts. 384 parágrafo único, 408 § 5.º e 410 do CPP). Terceiro, ele pode, aí, ser próprio (acrescentando dados de cunho real ou de cunho pessoal) ou impróprio (v.g., retificação, suprimento ou esclarecimento da inicial). O próprio pessoal, como o nome indica, caracteriza-se pela inclusão, no feito, de outros réus. O próprio real pode ser legal (acrescentando dispositivos legais) ou material (adicionando aspectos fáticos). E, é de se atentar, neste particular, que o aditamento próprio decorre, a par de outros aspectos, do princípio da congruência (ne procedat iudex ex officio) entre a causa petendi e o fato decidido (ou a ser decidido). Disto tudo, percebe-se, surgem inúmeras situações que não podem ser todas equiparadas. Por exemplo, a inclusão, via aditamento, de crime conexo é tema polêmico quando se trata de aditamento provocado (v.g. art. 40 e 384, parágrafo único do CPP). Tal óbice, no entanto, segundo dicção de boa parte da doutrina, inexiste quando o aditamento é espontâneo (observados, é claro, os arts. 76, 77, 79 e 80 do CPP). E, diante de tal contexto de hipóteses fáticas e jurídicas – afora outras – o aditamento (pelo seu recebimento) pode, ou não, (a par da quaestio em torno do inserido no art. 117 § 1.º do C.P.), interromper o prazo prescricional ex vi art. 117, inciso I do Código Penal. Interrompe, sim, quando sob tal denominação a peça acusatória adicional apresenta o caráter, propriamente, de denúncia. Fora daí a alteração pode, conforme o caso, modificar o referido prazo mas não tem o condão de interrompê-lo. A mera retificação decorrente de lapso ou obscuridade fática na exteriorização da imputatio e calcada, principalmente, em dados previamente conhecidos se insere na modalidade de aditamento impróprio que não deve ter força interruptiva.

Por um lado, a prescrição é de ordem pública, não ficando, unilateralmente, à mercê do Ministério Público. Por outro, mesmo em sede de mutatio libelli, não se pode olvidar que o texto legal diz “a possibilidade de nova definição” (art. 384, caput do CPP), o que impede, assim, com observância ao art. 117, inciso I do Código Penal, o reconhecimento de duas causas de interrupção em tópico no qual a lei somente prevê a incidência de uma (a denúncia ou o aditamento como se denúncia fosse). E não é só! Em situação mais grave que a presente, ou seja, da mutatio libelli, a doutrina deixa claro que o aditamento pode alterar o prazo prescricional mas não o interrompe (cf.: Antonio Rodrigues Porto in “Da Prescrição Penal”, 5.ª ed., RT, p. 68; Damásio E. de Jesus in “Prescrição Penal”, 12.ª ed., Saraiva, p. 79; José Júlio Lozano Jr. in “Prescrição Penal”, Saraiva, p. 121; Andrei Zenkner Schmidt in “Da Prescrição Penal”, Liv. do Adv. Editora, págs. 108/109). Dessarte, a fortiori, a mera retificação de lapso não pode, repito, interromper o prazo enfocado.

Desse modo, a prescrição para todos os réus (art. 580 do CPP), no que não é de cunho pessoal, deve ser calculado do fato à denúncia e desta à sentença (art. 5.º da Lex Maxima). No feito em tela, a exordial foi recebida em 12/07/96 (fls. 86) e a r. sentença se tornou pública em 16/05/01 (fls. 766). Portanto, extinta está a punibilidade pela prescrição retroativa (arts. 110 §§ 1.º e 2.º c/c o art. 109, inciso V do CP) em relação aos pacientes, condenados a dois anos de reclusão (afastado o acréscimo da continuidade delitiva ex vi art. 119 do CP e Súmula n.º 497-STF).

Ante o exposto, concedo a ordem para declarar extinta a punibilidade dos pacientes em razão da ocorrência da prescrição retroativa (pretensão punitiva).

É o voto.

Decisão unânime, votanddo com o Relator os Ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.