Ação Civil Pública. Defesa do meio ambiente do trabalho. Legitimidade do Ministério Público Estadual.

“RECURSO ESPECIALN.º 265.358-SP

REL.: MIN. HUMBERTO GOMES DE BARROS

EMENTA

I – O Ministério Público está legitimado para instaurar inquérito civil, no intuito de colher subsídios para eventual ação civil pública em defesa do meio ambiente.

II – O exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser admitido com larguesa. Em verdade a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra o Poder Judiciário da maior praga que os aflite, a repetição de processos idênticos.”

(STJ/DJU de 18/2/2002)

Se ao Ministério Público do Trabalho cabe a defesa dos direitos sociais dos trabalhadores, ao Ministério Público Estadual cabe a defesa do meio ambiente do trabalho, justificando-se a eventual propositura de ação civil pública para a proteção dos direitos individuais homogêneos dos obreiros submetidos a condições insalubres de trabalho.

Assim decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo em aresto confirmado pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Humberto Gomes de Barros com o seguinte voto condutor:

Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): O ponto central da controvérsia está em saber se o Ministério Público Estadual é competente para promover inquérito civil para verificar se a recorrente assegura a seus trabalhadores ambiente salutar. Tal inquérito é preparatório de ação civil pública.

É certo que a Recorrente traz jurisprudência a amparar sua tese, sustentando a ilegitimidade do Ministério Público Estadual. (ROMS 5563/CESAR).

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça evoluiu para o entendimento de que:

“Ministério Público Estadual. Inquérito Civil. Segurança do Trabalho.

Tem o Ministério Público legitimidade para ajuizar ação coletiva, tendente a obter condenação a indenizar lesões resultantes de acidentes do trabalho, envolvendo direitos individuais homogêneos, desde que presente interesse social relevante.

Competindo tais ações à Justiça Estadual, a legitimidade será do Ministério Público Estadual, que poderá instaurar inquérito civil, visando a reunir os elementos necessários a justificar sua atuação.” (ROMS 8.785/EDUARDO); e

“Recurso especial. Ação civil pública.

Legitimidade ativa do Ministério Público. Danos causados aos trabalhadores nas Minas de Morro Velho. Interesse social relevante. Direitos individuais homogêneos.

1. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante.

2. A situação dos trabalhadores submetidos a condições insalubres, acarretando danos à saúde, configura direito individual homogêneo revestido de interesse social relevante a justificar o ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Público.

3. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 58.682/DIREITO)

Deste último precedente, vale destacar o seguinte trecho:

“(…)

E, como alinhavado supra, o direito positivo brasileiro agasalhou a legitimação ativa do Ministério Público para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante. E, sem sombra de dúvida, a situação dos trabalhadores submetidos a condições insalubres, acarretando danos à saúde, configura direito individual homogêneo revestido de interesse social relevante a justificar o ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Público.”

Tenho para mim que o exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser admitido com larguesa. Em verdade, a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, obvia uma das maiores pragas que atingem o Poder Judiciário: a repetição de processos idênticos.

Nego provimento ao recurso.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Francisco Falcão e Garcia Vieira.

Processual penal. Petição de habeas corpus contendo os requisitos do art. 654, § 1.º, do CP. Ausência de peças. Dever do relator de requisitá-las da autoridade coatora.

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 12.756-RS.

REL.: MIN. FELIX FISCHER

EMENTA – Se a impetração atende aos requisitos previstos no art. 654, § 1.º, do CP, cabe à autoridade indicada como coatora, diante da ausência de peças necessárias ao julgamento do writ, requisitar, em atenção ao estatuído pelo art. 662 do CPP, as informações acerca do alegado.

Recurso provido.

(STJ/DJU de 24/3/03, pág. 239)

Entendendo que o pedido de habeas corpus estava insuficientemente instruído, mormente porque impetrado por advogado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não conheceu do pedido.

Houve recurso ordinário e a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Félix Fischer, deu-lhe provimento para que o writ fosse regularmente processado no tribunal de origem, com o necessário pedido de informação, e julgado como de direito.

Consta do voto do relator:

O exmo. sr. ministro Félix Fischer: assiste razão ao recorrente.

Assim dispõe o art. 654, § 1.º, do CPP:

“O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.

§ 1.º – A petição de habeas corpus conterá:

a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça;

b) a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que se funda seu temor;

ç) a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências”.

Consoante se depreende dos autos, a petição de habeas corpus (fls. 02/14) possui todos os requisitos exigidos pelo art. 654, § 1.º, do CPP. Identifica com clareza o nome do paciente, declara a espécie de constrangimento (decreto de prisão preventiva), está devidamente assinada pelo advogado do paciente, declina as residências do impetrante e paciente, bem como a autoridade coatora, no caso, a MM. juíza de Direito da Comarca de de Tupanciretã (RS).

Mesmo assim, entendeu a egrégia Corte a quo em não conhecer do writ. Utilizou-se, para tanto, o voto condutor do julgado, os seguintes fundamentos:

“A inicial está assinada por advogado, e veio acompanhada apenas de parcos documentos, o que impede o exame das alegações. Inclusive veio desacompanhada da cópia dos despachos atacados. Ocorre que o pedido não pode resumir-se em si mesmo: há de vir devidamente instruído, para o fim de comprovar a alegada coação, mormente porque impetrado por advogado.

Por essa razão, não-conheço da impetração”. (Fls. 48)

Não obstante a clareza dos argumentos adotados, o referido julgado merece reforma. Sucede que, restando atendidos os requisitos previstos no art. 654, § 1.º, do CP, cabe à autoridade indicada como coatora requisitar, em atenção ao estatuído pelo artigo 662 do CPP, as informações, por escrito, acerca do alegado. Veja-se, oportunamente, o que dispõe este dispositivo:

“Art. 662. Se a petição contiver os requisitos do art. 654, § 1.º, o presidente, se necessário, requisitará da autoridade indicada como coatora informações por escrito. Faltando, porém, qualquer daqueles requisitos, o presidente mandará preenchê-lo, logo que for apresentada a petição”.

Sob tal contexto, impõe-se a requisição, pelo egrégio tribunal a quo, das peças necessárias à instrução do habeas corpus. Nesse sentido, transcrevo o parecer da douta Subprocuradoria-Geral da República, consignado no voto condutor do RHC n.º 6.073, relator ministro Anselmo Santiago, in verbis:

“O habeas corpus, exatamente à conta de sua natureza constitucional e de seu escopo específico quanto ao direito de liberdade, possui peculiaridades que o distinguem das demais ações, não se sujeitando ao rigorismo formal comum às mesmas e às exigências de índole infra-constitucional que resultem em redução do seu alcance constitucionalmente previsto.

Tais assertivas se destacam quando se tem por certo ser possível a sua impetração por leigo.

Ademais, o próprio CPP, ao regular o habeas corpus, não exige que a inicial se faça acompanhar por qualquer prova. Prevê, apenas, em seu artigo 654, `o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer coação e o de quem exercer a violência, coação ou a ameaça’, `a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor’ e `a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências’.

Presentes tais requisitos, a inicial está apta a ser recebida, seguindo-se a requisição de informações à autoridade apontada como coatora exatamente para verificação da veracidade do alegado (art. 662).

In casu, ocorrentes os requisitos do artigo 654 do CPP, não há lugar ao indeferimento da inicial.”

Colaciono, ainda precedente desta Corte que bem reflete esse entendimento:

“Processual penal. Habeas corpus. Indeferimento da inicial.

1 – Não há lugar ao indeferimento da inicial quando ocorrentes os requisitos do art. 654 do CPP, como no caso.

2 – Recurso a que dá provimento”.

(RHC 6.073/RS. 6.ª Turma, relator o ministro Anselmo Santiado, DJU de 7/4/1997).

Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para que, no tribunal de origem, o writ seja regularmente processado, desta vez, com o necessário pedido de informações, e julgado, como de direito.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.