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  A decisão abaixo transcrita é um exemplo  de (boa) aplicação da Constituição:

 

CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA. PLENA LEGITIMIDADE DESSA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART.  208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC  Nº 53/2006). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). AGRAVO IMPROVIDO.

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A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).

Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.

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A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.

Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, §  2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.

Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à reserva do possível“. Doutrina.”

(STF – ARE 639337/SP – Rel. Min. Celso de Mello – DJe de 29.6.11. Destaques originais)

 

Do voto do eminente Min. Relator Celso de Mello, extraem-se os seguintes fundamentos:

“O recurso extraordinário a que se refere o presente agravo foi interposto contra acórdão, que, proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, está assim ementado (fls. 1.697):

“APELAÇÃO – Reexame Necessário – Ação Civil Pública – Sentença que obriga o Município de São Paulo a matricular crianças em unidades de ensino infantil próximas de sua residência – Cabimento – Direito Fundamental, líquido e certo – Aplicação dos artigos 208 da Constituição da República e 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Inocorrência de violação aos princípios constitucionais da Separação e Independência dos Poderes da República – Necessidade de harmonia como o princípio da legalidade e da inafastabilidade do controle judicial (arts. 5º, XXXV, e 37 da Constituição Federal) – Princípio da Isonomia que impõe o respeito ao direito de todas as crianças – Normas constitucionais de eficácia plena – Direito universal a ser assegurado a qualquer criança que dele necessite – Obrigação do Município reconhecida no artigo 211 da Constituição Federal – Prova suficiente a autorizar o acolhimento do pedido – Multa cabível e proporcional – Não provimento do recurso e do reexame necessário.” (grifei)

A parte ora agravante sustenta que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária teria transgredido preceitos inscritos na Constituição da República. O exame desta causa, no entanto, considerada a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em análise (AI 474.444-AgR/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 410.715- -AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 436.996-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), convence-me da inteira correção dos fundamentos que apóiam e dão consistência ao acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

É preciso assinalar, neste ponto, por relevante, que o direito à educação – que representa prerrogativa constitucional deferida a todos (CF, art. 205), notadamente às crianças (CF, arts. 208, IV, e 227, “caput”) – qualifica-se como um dos direitos sociais mais expressivos, subsumindo-se à noção dos direitos de segunda geração (RTJ 164/158-161), cujo adimplemento impõe, ao Poder Público, a satisfação de um dever de prestação positiva, consistente num “facere”, pois o Estado dele só se desincumbirá criando condições objetivas que propiciem, aos titulares desse mesmo direito, o acesso pleno ao sistema educacional, inclusive ao atendimento, em creche e pré-escola, “às crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV, na redação dada pela EC nº 53/2006). O eminente e saudoso PINTO FERREIRA (“Educação e Constituinte”, “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 92, p. 171/173), ao analisar esse tema, expende, sobre ele, magistério irrepreensível: “O Direito à educação surgiu recentemente nos textos constitucionais. Os títulos sobre ordem econômica e social, educação e cultura revelam a tendência das Constituições em favor de um Estado social. Esta clara opção constitucional faz deste ordenamento econômico e cultural um dos mais importantes títulos das novas Constituições, assinalando o advento de um novo modelo de Estado, tendo como valor-fim a justiça social e a cultura, numa democracia pluralista exigida pela sociedade de massas do século XX.” (grifei) Para CELSO LAFER (“A Reconstrução dos Direitos Humanos”, p. 127 e 130/131, 1988, Companhia de Letras), que também exterioriza a sua preocupação acadêmica sobre o tema, o direito à educação – que se mostra redutível à noção dos direitos de segunda geração – exprime, de um lado, no plano do sistema jurídico-normativo, a exigência de solidariedade social, e pressupõe, de outro, a asserção de que a dignidade humana, enquanto valor impregnado de centralidade em nosso ordenamento político, só se afirmará com a expansão das liberdades públicas, quaisquer que sejam as dimensões em que estas se projetem: “(…) É por essa razão que os assim chamados direitos de segunda geração, previstos pelo ‘welfare state’, são direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade. Tais direitos – como o direito ao trabalho, à saúde, à educação – têm como sujeito passivo o Estado porque, na interação entre governantes e governados, foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los. O titular desse direito, no entanto, continua sendo, como nos direitos de primeira geração, o homem na sua individualidade. Daí a complementaridade, na perspectiva ‘ex parte populi’, entre os direitos de primeira e de segunda geração, pois estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas. Por isso, os direitos de crédito, denominados direitos econômico-sociais e culturais, podem ser encarados como direitos que tornam reais direitos formais: procuraram garantir a todos o acesso aos meios de vida e de trabalho num sentido amplo (…).” (grifei) O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à educação infantil – ainda mais se considerado em face do dever que incumbe, ao Poder Público, de torná-lo real, mediante concreta efetivação da garantia de atendimento, em creche e pré-escola, às crianças de até cinco anos de idade (CF, art. 208, IV) – não podem ser menosprezados pelo Estado, “obrigado a proporcionar a concretização da educação infantil em sua área de competência” (WILSON DONIZETI LIBERATI, “Conteúdo Material do Direito à Educação Escolar”, “in” “Direito à Educação: Uma Questão de Justiça”, p. 236/238, item n. 3.5, 2004, Malheiros), sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário. Cabe referir, neste ponto, a observação de PINTO FERREIRA (“Educação e Constituinte” “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 92, p. 171/173), quando adverte – considerada a ilusão que o caráter meramente retórico das proclamações constitucionais muitas vezes encerra – sobre a necessidade de se conferir efetiva concretização a esse direito essencial, cuja eficácia não pode ser comprometida pela inação do Poder Público: “O direito à educação necessita ter eficácia. Sendo considerado como um direito público subjetivo do particular, ele consiste na faculdade que tem o particular de exigir do Estado o cumprimento de determinadas prestações. Para que fosse cumprido o direito à educação, seria necessário que ele fosse dotado de eficácia e acionabilidade (…).” (grifei) O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de educação infantil, especialmente se reconhecido que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis – notadamente aquelas que visem a fazer cessar, em favor da infância carente, a injusta situação de exclusão social e de desigual acesso às oportunidades de atendimento em creche e pré-escola -, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público.

(…)

É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 75/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO), o Supremo Tribunal Federal: (…)

É certo – tal como observei no exame da ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004) – que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário – e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Impende assinalar, contudo, que tal incumbência poderá atribuir-se, embora excepcionalmente, ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame.

Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político- -administrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004). Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Daí a correta observação de REGINA MARIA FONSECA MUNIZ (“O Direito à Educação”, p. 92, item n. 3, 2002, Renovar), cuja abordagem do tema – após qualificar a educação como um dos direitos fundamentais da pessoa humana – põe em destaque a imprescindibilidade de sua implementação, em ordem a promover o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida de todos, notadamente das classes menos favorecidas, assinalando, com particular ênfase, a propósito de obstáculos governamentais que possam ser eventualmente opostos ao adimplemento dessa obrigação constitucional, que “o Estado não pode se furtar de tal dever sob alegação de inviabilidade econômica ou de falta de normas de regulamentação” (grifei). Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a educação infantil – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 208, IV) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público, especialmente o Município (CF, art. 211, § 2º), disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial, como adverte, em ponderadas reflexões, a ilustre magistrada MARIA CRISTINA DE BRITO LIMA, em obra monográfica dedicada ao tema ora em exame (“A Educação como Direito Fundamental”, 2003, Lumen Juris). (…)

Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que os Municípios – que atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Constituição, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se de atendimento das crianças em creche e na pré-escola (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.

(…)

Isso significa, portanto, considerada a indiscutível primazia reconhecida aos direitos da criança e do adolescente (ANA MARIA MOREIRA MARCHESAN, “O princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente e a discricionariedade administrativa”, “in” RT 749/82-103), que a ineficiência administrativa, o descaso governamental com direitos básicos do cidadão, a incapacidade de gerir os recursos públicos, a incompetência na adequada implementação da programação orçamentária em tema de educação pública, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a educação infantil, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais estabelecidas em favor das pessoas carentes não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, notadamente pelo Município (CF, art. 211, § 2º), da norma inscrita no art. 208, IV, da Constituição da República, que traduz e impõe, ao Estado, um dever inafastável, sob pena de a ilegitimidade dessa inaceitável omissão governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental da cidadania e que é, no contexto que ora se examina, o direito à educação, cuja amplitude conceitual abrange, na globalidade de seu alcance, o fornecimento de creches públicas e de ensino pré-primário “às crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV, na redação dada pela EC nº 53/2006). Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas e reafirmando a correta determinação emanada do Poder Judiciário paulista, que impôs, ao Município de São Paulo, em face da obrigação estatal de respeitar os direitos das crianças, o dever de viabilizar, em favor destas, a matrícula em unidades de educação infantil próximas de sua residência ou do endereço de trabalho de seus responsáveis legais, sob pena de multa diária por criança não atendida, conheço do presente agravo, para negar seguimento ao recurso extraordinário, por manifestamente inadmissível (CPC, art. 544, § 4º, II, “b”, na redação dada pela Lei nº 12.322/2010), mantendo, por seus próprios fundamentos, o acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Publique-se.

Brasília, 21 de junho de 2011.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator” (destacamos)

 

N o t a s

 

            Pouco há que se dizer sobre a grande importância do acórdão em questão. Ele representa a exegese ideal da letra da Lei das Leis, com a diferença de que, neste caso, o ideal se tornou real. A Corte Constitucional, cumprindo sua missão de bem defender a Carta Republicana de 1988, entendeu, em suma, que, nela, contêm-se direitos fundamentais os quais, apesar de exigirem grande soma em recursos públicos e humanos para serem aplicados, não podem deixar de sê-lo, sob pena de naufrágio do sistema jurídico que rege a sociedade brasileira.

            Na espécie, tudo aponta para a gravidade do tema: o direito, cujos titulares são crianças, de receber, do Poder Público, o ensino que a Constituição diz ser delas gratuitamente. O Judiciário paulista condenou o município a matricular crianças de até 5 (cinco) anos de idade em unidades de ensino próximas de suas residências ou das de seus responsáveis legais, sob pena de multa diária por menor não atendido.

            A Procuradoria do Estado recorreu até o STF. Mas a pretensão foi julgada improcedente, dentre outras razões, porque os municípios “não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Constituição“, sem que haja um “motivo justo objetivamente aferível.” Assim, e enfrentando a teoria da “reserva do possível”, consignou-se que “a ineficiência administrativa, o descaso governamental com direitos básicos do cidadão, a incapacidade de gerir os recursos públicos, a incompetência na adequada implementação da programação orçamentária em tema de educação pública, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a educação infantil, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais estabelecidas em favor das pessoas carentesnão configuram, de modo algum, tal motivo justo. Nada mais a acrescentar.

            Mas a fundamentação não deixa de levantar algumas dúvidas, especificamente em relação a situações de descaso do Estado em relação a outros direitos fundamentais de igual relevância social. A segurança pública, p.ex.: crimes cometidos no interior de um ônibus de linha, em praças públicas e em demais situações nas quais a vítima deveria estar protegida pelo Estado. Não seriam hipóteses de imposição de reforço de policiamento? Ou, quando há prejuízo ao cidadão, não seria o caso de indenização?

            Na mesma linha, cita-se a dignidade da pessoa humana, afrontada diariamente no setor penitenciário, em que milhares de pessoas vivem em condições desumanas: não seria, também, o caso de medida enérgica e imediata do Judiciário? E os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, art. 3º e incisos), como sejam, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e da marginalização? São cumpridos, na prática?

            É fácil lembrar de casos concretos em que todas essas garantias indisponíveis da humanidade foram – e continuam sendo – flagrantemente contrariadas. No entanto, muitas delas não tiveram, do Judiciário, o mesmo tratamento que o direito à educação recebeu, na decisão acima, por parte do STF. Longe de significar algum tipo de discriminação entre as garantias do cidadão, o acórdão deve ser visto como um sinal de que, quando um direito constitucional fundamental é desafiado pelo próprio poder público, o dever cívico da parte lesada é procurar fazer com a Suprema Corte sobre isso se manifeste. E, a prevalecer a orientação do Min. Celso de Mello, a “reserva do possível” não será um problema.