A crescente importância da garantia da razoável duração do processo

 

A CF prevê o direito à razoável duração do processo: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, LXXVIII). Embora a legislação brasileira não estabeleça limite temporal para a prestação jurisdicional, a garantia constitucional deve ser obedecida. Os tribunais nacionais, modo geral, têm mantido orientação harmônica com essa cláusula fundamental. Veja-se, p.ex., a transcrição parcial da seguinte decisão do STF. Primeiro, a ementa:

“(…) Excessiva demora na realização do julgamento de mérito de habeas corpus impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça. Ausência de prestação jurisdicional. Violação ao princípio constitucional da duração razoável do processo. Constrangimento ilegal configurado.”

            Agora, as passagens mais relevantes, que constam do voto do relator, Ministro Gilmar Mendes:

A preocupação com a duração do processo penal não é nova. Há muito tempo se discorre sobre a necessidade de que a marcha processual se desenvolva num prazo razoável. (…) Com o tempo, a jurisprudência do STF consolidou cada vez mais o entendimento de dar efetividade ao preceituado na Carta Magna (princípio da razoável duração do processo). (…) O que motivou o constituinte derivado a inserir a razoável duração do processo no rol dos direitos e garantias fundamentais foi a preocupação com a celeridade dos processos. A inserção do inciso LXXVIII ao art. 5º da CF refletiu o anseio de toda a sociedade de obter resposta para a solução de conflitos de forma célere, pois a demora na prestação jurisdicional constitui verdadeira negação de justiça. (…) Por outro lado, não se pode imaginar um processo em que o provimento seja imediato. É característica de todo processo durar, não ser instantâneo ou momentâneo, prolongar-se. (…) Ocorre, porém, que o cidadão não pode ficar indefinidamente à espera da resposta estatal. E, no âmbito penal, a demora da prestação jurisdicional assume contornos bem mais específicos. Conforme tenho enfatizado em diversas ocasiões, em circunstâncias como a dos presentes autos, é necessário conferir máxima efetividade à realização de garantias e direitos fundamentais envolvidos – os quais assumem contornos peculiares, principalmente em sede de matéria penal. No processo penal, o réu, preso ou não, tem o direito de obter uma resposta estatalnão pode ficar vinculado indefinidamente a um processo criminal. A investigação criminal e o processo afetam a intimidade, a vida privada e a própria dignidade do investigado ou do réu. Em outras palavras, em se tratando de processo penal, em que estão em jogo os bens mais preciosos do indivíduo – a liberdade e a dignidade -, para o cidadão torna-se ainda mais urgente alcançar a solução definitiva do conflito (…).”

O Ministro também ponderou os problemas estruturais do Estado:

Nesse contexto, em que pesem aos problemas operacionais e burocráticos que assolam não somente o Superior Tribunal de Justiça, mas, de modo geral, todo o Poder Judiciário, a morosidade no processamento e no julgamento de qualquer feito não pode ser institucionalmente assumida como um ônus a ser suportado por todos aqueles que estejam envolvidos em uma ação judicial. O importante é o acesso à tutela jurisdicional efetiva, num tempo razoável, de modo a permitir o reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem (…).”

(STF – HC 103276/SP – 2ª T. – Rel. Min. Gilmar Mendes – DJe de 13.12.10. Itálicos nossos. No mesmo sentido: STF – HC 105483/ES – Rel. Min. Marco Aurélio – DJe de 7.4.11)

 

N o t a s

A Constituição Federal, adotando a disposição prevista no Pacto de San José da Costa Rica (art. 8º), é expressa ao conferir aos cidadãos brasileiros o direito à razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII). Embora a legislação processual penal brasileira não preveja um decurso temporal taxativo para a conclusão das investigações, é evidente que essa garantia constitucional deve ser observada não somente por ser aplicável imediatamente, mas por existirem parâmetros, doutrinários e jurisprudenciais, aptos a identificar excessos. Eventualmente, o caso concreto poderá a autorizar que um inquérito policial dure por alguns meses a mais do que o previsto em lei, quando se verifique, p.ex., a existência de grande número de investigados ou quando se tratar de caso de extrema complexidade. Esse atraso, contudo, jamais se poderá permitir em casos de poucos investigados e de complexidade comum – notadamente perante juízos especializados na matéria. É preciso que se proteja o investigado ou o acusado de cumprir uma pena antecipada – eis que a submissão a procedimento investigatório interminável configura, sem sombra de dúvidas, verdadeiro tormento na vida de qualquer cidadão.

Como se constata do teor do julgado acima, a demora excessiva na solução do caso pode ser equiparada à negativa de prestação jurisdicional. O Ministro relator também fez questão de consignar a especialidade do prejuízo pela demora em procedimentos de natureza criminal, dada a notória gravidade da sanção a que estão sujeitos os cidadãos nessa seara.

A garantia em questão, assim, não visa somente compelir o Estado a atuar de forma eficiente: ela impede que o jurisdicionado fique à mercê do poder público por tempo injustificadamente longo, em investigações criminais, civis ou administrativas – e independentemente do manejo, pelo cidadão, de todos os recursos previstos em lei, que nada mais é do que o exercício da ampla defesa e do contraditório. Saliente-se que o fato de o jurisdicionado se valer de todos os meios em lei admitidos (recursos, ações de impugnação etc.) para fazer cumprir seus direitos e para ver decididos seus argumentos nunca poderão ser vistos como causa de atraso das investigações ou de processos: a menos que se comprove a intenção do cidadão em procrastinar, suas iniciativas devem ser vistas como nada mais do que a efetivação de seus direitos fundamentais, que são assegurados a toda a sociedade. Se o processo é lento por si só, isto é, pela demora no trâmite da instrução ou dos recursos, a culpa é do Estado, e o constrangimento ilegal pela demora deve ser por ele sanado.

Outro exemplo de decisão nesse sentido é do STJ, reconhecendo que o atraso de três anos para a conclusão das investigações causa constrangimento ilegal ao cidadão e motiva o seu arquivamento. Vide: “na hipótese dos autos foi instaurado inquérito policial para apurar eventual prática de crime contra a ordem tributária em 18/10/2005, há mais de 3 anos, portanto, sem que até a presente data se tenha notícia de que as investigações tenham sido concluídas ou que eventual denúncia tenha sido oferecida. Desta forma, se por um lado a inobservância dos prazos legais para o encerramento da investigação criminal não implica, per se, a automática obstacularização da persecutio criminis, por outro, o excessivo e injustificado desrespeito a esses prazos acarreta constrangimento ilegal suportado pelo paciente e para o qual o habeas corpus se mostra o remédio constitucional adequado.” (STJ – 5ª T. – HC 107068/RJ – Rel. Min. Felix Fischer – DJe de 20.3.09. Itálicos nossos)

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