Zenaide, cadê você? (2)

Quem seria Zenaide, a hipersensível paranaense que o cartunista francês Gerard Lauzier conheceu no Brasil? Seguindo as pistas, Zenaide nasceu em Ponta Grossa, em Curitiba estudou no Colégio Sion e, formada em arquitetura, conviveu com a animada turma de arquitetos do Ippuc.

 Restava uma pergunta-chave: em que circunstâncias o francês conheceu Zenaide Marie Faivre, suposta descendente da Rua Dr. Faivre? A resposta está na Aliança Francesa, na época dirigida por Madame Garfunkel – a venerável senhora que enviou para estudar em Paris a geração de arquitetos responsáveis pela revolução urbana de Curitiba.

A garota do Colégio Sion, mesmo hipersensível, era uma brasa, mora. Naqueles anos da turma do ié-ié-ié, Zenaide era a própria garota papo firme que o Roberto falou. Barra limpa, era uma gata de cabelos cumpridos e lisos; não fazia ?chapinha?, na época se fazia ?touca?. Paquerava os rapazes de carango na saída do Sion, quando dividia a calçada com as concorrentes do Colégio de Educação Familiar – o ?caça marido?. Era assídua nas festinhas de sábado à noite: o Chá da Engenharia, no Jockey Club, o ?Venha à vontade? do Curitibano centro, colecionava apaixonados no Danc (Diretório Acadêmico Nilo Cairo, da Medicina) e sonhava ser uma Glamour Girl, ou Garota Caiobá, do Dino Almeida – ao som dos Metralhas e do Aquarius Band. Roupas, tinha carnê de compras na Jabuti-Q, no Magazin Avenida e na Casa Ling. Tomava chá com as amigas na Confeitaria das Famílias e o ?peru à Califórnia? da Confeitaria Iguaçu era a novidade gastronômica. Se inscreveu em gincana com os Les Paxás, a turma que se reunia na Rua Bispo Dom José, e até chegou a participar de uma excursão para Vila Velha. Mas isso ela não tinha coragem de confessar. Contava prosa, isto sim, que tinha sido figurante no filme de Sílvio Back, Lance Maior, onde cruzava com Regina Duarte na cena de descida da rampa do prédio da Reitoria.

Depois que entrou para a faculdade de Arquitetura, Zenaide nunca mais foi aquela mesma garota que ganhava serenatas com radiola. Depois de 1968, tudo seria muito diferente. Os pais morreram num encontro marcado com a tragédia e o sonho acabou. De um pequeno apartamento no Alto da São Francisco, perto da confeitaria América, passou a morar na CEUC (Casa da Estudante Universitária de Curitiba). Atravessava a rua e lá estava o compositor Lápis no Bar do Leleco, com os músicos do Grupo Ogum. Declamava poemas de Neruda e chorou na calçada quando derrubaram Salvador Allende. Sem lenço e sem documento, com o Pasquim nas bancas de revistas, daqueles tempos do Colégio Sion só guardou a paixão pela língua francesa.

Zenaide conheceu Gerard Lauzier num coquetel com queijos e vinhos na Aliança Francesa. O cartunista tinha recém-chegado à cidade para rever os velhos amigos de Paris, aqueles jovens arquitetos que agora no poder começavam a traçar o novo rosto de Curitiba. Os mesmo arquitetos do Ippuc que se reuniam aos sábados para comer bolinho de arroz no Passeio Público.

O romance de Zenaide Marie Faivre com o cartunista francês durou uma década, entre idas e vindas às margens do Rio Sena. Nesse meio tempo, a jovem arquiteta acompanhou a gestação da Rua das Flores, o nascimento do Teatro do Paiol, viu Curitiba dar os primeiros passos nas estruturais Norte-Sul e Leste-Oeste.

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Zenaide, cadê você? Mesmo que você não exista – e tampouco o cartunista Lauzier deve ter conhecido Curitiba -, não importa, a tua geração existe. São personagens que poderiam conduzir uma necessária história da Curitiba dos anos 70.