Viva o Zé Pereira!

E ainda dizem que não tem carnaval em Curitiba. A Polícia Militar fez uma apresentação especial no bloco dos Garibaldis e Sacis e foi aquele sucesso que se viu na telinha da tevê. A repercussão da Escola de Samba Unidos do Cassetete foi tão grande que o governador Beto Richa, impressionado, prometeu premiar a rapaziada da ordem unida com um aumento de 23% nos salários.

Por sua vez, para não ficar para trás nesse carnaval, motoristas e cobradores vestiram a fantasia de bicho preguiça, cruzaram os braços e durante dois dias fizeram o Zé Pereira rebolar na avenida, a pé, de bicicleta ou de carona. Tadinho do Zé Pereira! Como sempre acontece, papagaio come milho e o periquito leva a fama.

Quem não conhece o Zé Pereira? Veio para o Brasil com as primeiras caravelas, limpava o penico do Pedro Álvares Cabral e, com a vinda da família real para o Brasil, melhorou um pouco de vida: enquanto os ricos portugueses acompanhavam a procissão, o pobre do Zé Pereira perseguia o santo. 

Dizem alguns historiadores que o verdadeiro Zé Pereira foi um sapateiro português, chamado José Nogueira de Azevedo Paredes, introdutor em 1846 do Entrudo, a festa pecaminosa de introdução à Páscoa. Segundo o etnólogo, musicólogo e folclorista Luís da Câmara Cascudo, o carnaval de hoje é de desfile, carnaval assistido, paga-se para ver e ser visto. O carnaval do Zé Pereira era compartilhado, dançado, pulado, gritado, catucado. Ao som de zabumbas e tambores, em passeatas pelas ruas, a folia do Zé Pereira tinha um lado grosseiro, violento, imundo. Os foliões lançavam uns sobre os outros baldes de água, esguichos de bisnagas e limões-de-cheiro feitos de cera, pó de cal que chegava a cegar, vinagre, urina e outras sacanagens, até o aparecimento do lança-perfume, do confete e a serpentina que em boa hora tirou o Rei Momo da sarjeta.

 Foliões da mesma família, em Curitiba o Zé Pereira só mudou de hábitos em 1864, quando os imigrantes europeus não muito afeitos ao mau cheiro do Entrudo, aboliram os maus hábitos e ai de quem tirasse o pirulito pra fora para se aliviar na Praça Tiradentes. Daí que surgiu o Beco do Mijo, nos fundos da Catedral. Desde aqueles idos o carnaval em Curitiba requeria alvará de licença, conforme um anúncio do “Bando Carnavalesco” publicado no jornal “Dezenove de Dezembro” de 1867:   

“O Diretor da Sociedade Carnavalesca novamente criada nesta Capital, tendo conseguido do chefe de polícia a licença para formar o bando e dar bailes a 3,4 e 5 de março, convida quem desejar fazer parte a vir assinar o seu nome na lista de sócios”.

Depois de dois dias indo e vindo a pé de casa para o trabalho, o coitado do Zé Pereira curitibano vai ganhar um tempo para afogar suas mágoas. Começando no Ao Distinto Cavalheiro (o menor grito de carnaval do mundo), onde hoje as águas vão rolar com a quadrinha que se fez famosa:

“E viva o Zé Pereira / Pois que a ninguém faz mal / Viva a bebedeira / Nos dias de carnaval”.