Vida na rua

Conta o urbanista Jaime Lerner que, quando prefeito de Curitiba, uma de suas ideias nunca realizadas seria escolher a dedo um bairro da cidade para deixar a cargo de seus moradores o futuro de seu espaço urbano. Fora do Plano Diretor, livres das regras estabelecidas pelo Ippuc e pela Secretaria de Urbanismo, a própria comunidade poderia decidir o que fazer com o seu espaço de convivência.

Desde que a liberdade de um não prejudicasse a liberdade do outro, com autonomia o bairro poderia andar com suas próprias pernas, sem o engessamento da Prefeitura. Conforme o sonho irrealizado do ‘anarquista‘ Lerner, cada um seria dono de seu próprio nariz, respeitando os ouvidos, a janela, a grama e o sol do vizinho. 

No novo Plano Diretor de Curitiba que está nas mãos dos vereadores, uma das propostas se assemelha com o que imaginava Jaime Lerner, no sentido de estimular a construção de edifícios de uso misto na cidade, agregando moradia, trabalho e comércio. Ao liberar prédios mais altos e de uso comercial próximo ao transporte coletivo, em áreas de média densidade, o novo Plano Diretor sugere que as pessoas se desloquem menos dentro de Curitiba, melhorando o trânsito de Curitiba.

Pela proposta do vereador Jonny Stica, também relator do Plano Diretor, será permitida a construção de mais um andar quando a metade do pavimento térreo e da fachada, no mínimo, for destinada ao comércio. A concessão não teria custo e poderia inclusive ultrapassar o máximo previsto por zoneamento. ‘Hoje, mesmo onde é permitido, a maioria tem apenas residência. O objetivo é dar vida aos bairros‘ – ressalta o vereador Stica, com a esperança de dar um fim ao afastamento e às grades dos isolados prédios residenciais.

Com cinco andares abaixo da terra e mais de vinte quilômetros de corredores, era nas catacumbas romanas que os cristãos se refugiavam dos perseguidores, enterravam seus mortos e realizavam seus cultos de fé. Séculos depois, as catacumbas modernas são os nossos centros comerciais, com vários andares acima e abaixo da terra, quilômetros de corredores, onde os filhos de Deus celebram cultos à deusa chamada Grife e se protegem da violência urbana.

Precisamos voltar às ruas, ocupar as calçadas e não só para protestar contra o governo nas tardes de domingo.