Viagens, presságios e pecados (2)

Antes de botar o pé na estrada para o Carnaval, anote no seu diário de bordo: para cidadãos da Roma antiga, uma viagem era um desafio ao destino. E aos caprichos dos deuses. As entranhas de animais sacrificados precisavam ser examinadas regularmente, sonhos interpretados, o mundo natural constantemente observado em busca de presságios. Notícias de peixes sendo encontrados em campos arados; abelhas se aglomerando no telhado de um templo; até o saleiro fora do lugar era motivo para cancelar uns dias de férias no litoral. 

O imperador Augusto abandonou uma viagem ao Egito quando, acidentalmente, tropeçou e rasgou sua toga. Era um exagero, mas Augusto era um exagerado: passava um dia por ano mendigando pelas ruas de Roma porque havia sido instruído a fazê-lo em um sonho. 

Igual a Curitiba, o calor do Mediterrâneo esvaziava Roma e o mundo dos césares partia em excursão para a praia. O litoral dos romanos era um bacanal vinte e quatro horas que atraía turistas aos montes para os balneários, onde imperava uma devassidão hercúlea. Naquele vale-tudo de areias escaldantes, foram os romanos que exploraram pela primeira vez o aluguel de casas, essencial para o turismo de hoje. 

Entre banquetes e orgias sexuais, o estudioso e polígrafo romano Varrão deixou seus protestos no papiro: “Mulheres solteiras são propriedade comum, homens idosos agem como jovens rapazes e muitos rapazes, como se fossem moças”.  O moralista Sêneca foi mais longe: “Cidadãos respeitáveis tinham o hábito de convidar prostitutas para sair em grandes barcas, cobrindo as ondas com guirlandas de pétalas de rosas e competindo uns com os outros, bêbados, em concurso de cantos”. 

Esses cantos deveriam ser o samba-enredo da época. A Baía de Napoli tornou-se o supremo teatro e o Vesúvio virou a “Cratera da luxúria”. Escondidos em meio a penhascos escarpados, acariciados pelas brisas frescas de Netuno, os veranistas comiam, bebiam e fornicavam. Tudo em doses cavalares. Assim como na Ilha do Mel, os viajantes alugavam pousadas nas ilhotas do Mediterrâneo e, depois de navegar em círculos com luxuosas embarcações, o sexo grupal rolava na areia. 

Mas, o que era doce se acabou. Como sempre, as invasões bárbaras dos alpinistas sociais não deixam pedra sobre pedra. Ou mármore sobre mármore. A suruba passou a ser regida pelos novos ricos, cuja extravagância despudorada foi muito além dos limites. Os grupos de libertinos de baixo caráter moral deixavam Calígula ruborizado. Afinal, até bacanal tem os seus limites.

Sexta-feira de Carnaval sempre foi um dia de dúvida cruel para o curitibano: fico ou não fico, viajo ou não viajo. Inspirado nos romanos, consulte o horóscopo antes de viajar e, na quarta-feira de cinzas, não deixe de confessar os seus pecados na missa da Catedral.