“Quem parte e reparte, fica com a melhor parte”: quem ditou pela primeira vez essa frase deve ter sido Catarina, a Grande, imperatriz da Rússia, ao conhecer pessoalmente a Crimeia, tomada das mãos dos turcos para estender o alcance marítimo do Império Russo: “A aquisição da Crimeia não nos fará mais fortes nem mais ricos, mas vai assegurar a paz” – disse Catarina, ao anunciar em 1783 a nova aquisição.   

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Depois de mandar o amante Grigori Alexandrovich Potemkin tomar posse da Crimeia (de Stanislaus Poniatowski, outro amante, Catarina fez rei da Polônia), a imperatriz fez uma viagem extraordinária, jamais empreendida por um monarca. Uma viagem que virou lenda. Na primavera de 1778, partiu de Moscou e desceu o rio Dnieper, embarcando em Kiev, até chegar à costa da Crimeia, no Mar Negro. Por mais de seis meses e mais de 600 quilômetros, com 58 anos Catarina viajou por terra e água, de trenó, de galera fluvial e carruagem e confirmou o futuro daquela vasta região, hoje um disputado pomar no quintal da Ucrânia. Desde o ano dessa viagem até a invasão alemã, em 1941, e a independência da Ucrânia em 1991, essas terras nunca saíram das mãos russas.  

Durante nove anos, Gregório Potemkin (“O Encouraçado Potemkin”, navio de guerra com seu nome, é um clássico do cinema dirigido por Sergei Eisenstein) trabalhou para transformar aquela parte do sul da Rússia numa área próspera do Império. Orgulhoso de suas realizações, o amante, conselheiro, comandante em chefe, governador e vice-rei de metade do Império, criador de novas cidades, portos, palácios, exércitos, frotas marinhas e, é bem provável, marido de Catarina, insistiu para que a imperatriz  visse com os próprios olhos as obras de colonização da Criméia, que por toda a Europa espalhavam ser um enorme engodo: “Diziam que as prósperas cidades visitadas por Catarina eram feitas de papelão pintado e os alegres habitantes eram servos vestidos como cidadãos, que iam de vila em vila aplaudindo a passagem da imperatriz. Essas acusações geraram o mito das `Cidades Potemkin´, uma colonização supostamente inventada por Potemkin ao longo do rio Dnieper, para enganar Catarina e seus convidados quanto ao verdadeiro estado dos territórios do sul”. (Catarina, a Grande – Retrato de uma mulher”, do escritor Robert K. Massie – Editora Rocc0 – 300 páginas).

A expressão “Cidade Potemkin” passou a ter significado de logro, ou algo fraudulento, construído ou falado para esconder uma verdade desagradável. Tornou-se um clichê da linguagem russa .

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Entre Putin e Potemkin, muitas águas rolaram pelo rio Dnieper, até chegar à costa sul do Mar Negro – uma luxuriante região, parecida com a Riviera francesa, de temperatura amena o ano todo, com oliveiras, pomares, vinhedos, pastagens, jasmins, loureiros, lilases, glicínias, rosas e violetas, onde na primavera um turbilhão de cores e odores transforma a costa da Criméia num enorme jardim perfumado.

É desse paraíso terrestre que os russos não querem abrir mão. É por isso que a intenção de Putin é só uma: fazer da capital da Crimeia uma “Cidade Potemkin”.

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