Este fim de ano está sendo melancólico. Algumas das melhores referências da cidade se foram, alguns amigos perdemos para sempre. Primeiro foi Cláudio Seto; em seguida Nireu Teixeira e, agora, Valêncio Xavier. Juntando os pontos da memória, tinham elos que os uniam.

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O escritor Valêncio admirava Seto, que foi ilustrador de Nireu, que era amigo de Valêncio, que também era ilustrador. Seto, mais novo, conheceu Valêncio e Nireu no final da década de setenta, e Nireu e Valêncio se conheciam há muitos e muitos anos.

O elo entre Cláudio Seto e Nireu Teixeira pode ser revisto nas páginas do extinto Correio de Notícias; o elo entre Nireu Teixeira e Valêncio Xavier está no mesmo jornal, impresso numa crônica que também foi publicada no livro “Espeto Corrido”, coletânea de crônicas publicadas naquele Correio de Notícias. A crônica que segue abaixo foi originalmente ilustrada, se não me falha a memória, exatamente por Cláudio Seto.

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Há muitos anos, Valêncio Xavier morava junto com o Fernando Pessoa Ferreira. Eram bons amigos, mas acabaram brigando. Depois fizeram as pazes e são amigos até hoje, creio eu. Quando se desentenderam, perguntei ao Valêncio: “Por que a briga?”. Ninguém pode morar com o Fernando, disse-me ele. Como se não bastasse o rádio, que ele liga a todo o volume no seu quarto enquanto vai ao banheiro, tem o hábito de tirar as calças, colocá-las cuidadosamente num dos braços e depois dá uma passadinha no meu quarto para um bate-papo, não se importando que horas são. Fica na porta de paletó, gravata e de cuecas falando de cinema e literatura com a maior naturalidade. “Não aguentei mais.”

Aconteceu que, naquela época, o Fernando fazia uma coluna sobre arte no jornal O Estado do Paraná e vingava-se do Valêncio escrevendo críticas violentas sobre seus desenhos. Eu encontrava o Valêncio e dizia: “O Fernando anda te atacando pelo jornal, você vai se defender?” “Não se preocupe com isso”, dizia o Valêncio, e eu admirava seu espírito esportivo. Até que um dia houve uma exposição de desenho e pintura na Biblioteca Pública. Fomos visitá-la: o Dante (em tempo: não era este signatário), a Helena, o Fernando e eu. Vendo o catálogo, descobrimos que um dos desenhos do Valêncio fora selecionado. Fomos até ele. O desenho consistia num homem dormindo. À medida que nos aproximávamos do quadro, o Fernando ficava mais impaciente. Até que reconheceu a figura e gritou no seu sotaque de pernambucano: “Ó xente, mas sou eu… sou eu…” Era. E mais: o Valêncio ganhou medalha de prata com o quadro e um prêmio em dinheiro. (Nireu Teixeira)

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Com Cláudio Seto e Nireu Teixeira trabalhei no Correio de Notícias. Com Valêncio Xavier fiz parte da equipe pioneira da Fundação Cultural de Curitiba, onde o ajudei na montagem de seu livro Desembrulhando as Balas Zequinha, e de onde cultivamos uma boa amizade. O quarto personagem dessa história, conheci há mais ou menos um mês: Fernando Pessoa Ferreira. Ao terminar de escrever o meu livro que será lançado em março (Curitiba: Melhores Defeitos, Piores Qualidades), precisei da autorização de Fernando Pessoa Ferreira para transcrever na íntegra a sua célebre
crônica “Curitiba, a fria”.

Atualmente morando em São Paulo, e ainda dedicado à literatura, Fernando não só autorizou a publicação, como também me contou um complemento inédito da “Curitiba, fria” (Faltou contar!), uma fantástica história que será publicada com exclusividade no livro que está sendo editado.

Cláudio Seto que era amigo de Nireu que era amigo de Valêncio que era amigo de Fernando, este que agora tomo a liberdade de considerar meu amigo também. Do valente Valêncio, que nunca teve medo de se expressar em qualquer dos meios, guardo uma dívida de gratidão: conheci Antonina e o restaurante da Tia Rosinha no velho fusca do desenhista, diretor de cinema, produtor, professor e escritor.