Há muito tempo não lia uma história natalina tão boa. Ela veio do celebrado José Bonifácio Sobrinho, o Boni, um dos criadores da Rede Globo. Na Espanha, de onde veio a família de Boni, “pataleo” tem muitos significados: chute na canela, protesto e confusão. Um Natal espanhol, ao amigo Pedro Franco y Cruz Guevara.

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Num dia de dezembro, a família espanhola se reuniu para fazer os planos de Natal. Todos remediados, com grana curta e contada, uma tia ofereceu a casa para realizar a ceia natalina, com a condição que cada um levasse alguma coisa, um peru, um leitão, alguma “cava” (que é o champanhe da Espanha) ou um vinho tinto bebível. Todos toparam.

Uma das tias mais abastadas, espontaneamente, assumiu a responsabilidade do peru e do leitão. O resto ficaria por conta dos outros. Fizeram uma lista de quem traria o que, mas houve, porém, um detalhe que foi esquecido, conta Boni: “Um dos filhos da tia que oferecia a casa estava noivo e teria, obrigatoriamente, que trazer a noiva e a família da noiva. Uma semana depois da reunião fomos comunicados desse fato novo. A tia mais abastada e que traria a maior contribuição chiou”:

– Eu não vou levar peru e nem leitão para gente que eu não conheço. E não vão me fazer de idiota transformando a festa de Natal em festa de noivado. Eu estou fora, foooooora!

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Um problemão: “Meu primo não tinha como cancelar o convite à família da noiva e nem como pedir a eles contribuição para a festa. E pior, nós só tínhamos as bebidas e umas rabanadas. Nova reunião. A solução foi fazer uma vaquinha para comprar o peru e o leitão, naturalmente com uma participação mais generosa da dona da casa que tinha o filho noivando.

Tudo bem. Faríamos a festa sem a tia Ruth. Todas as providências foram tomadas e a festa seria de paz se um incidente não tivesse ocorrido”.

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O padeiro que servia a casa da tia remediada de Boni tinha uma esposa cujo nome, por fatal coincidência, era Ruth. Igualzinho ao da tia Ruth. Na tarde de Natal o padeiro deixou na porta uma pequena rosca natalina, com um cartão assinado só pela mulher dele, que dizia apenas:

– Feliz Natal. Ruth.

O tio de Boni, quando viu aquilo, pensou que era sacanagem da tia Ruth. Jogou a rosca no chão, chamou a família e todos sapatearam em cima da rosca, num completo “pataleo” . E o tio blasfemava:

– Por Dios, que la mato!

A noite de Natal seguiu com meu tio reclamando:

– Está bem que a Ruth não venha, que retire o peru e o leitão, mas “coños” que queira nos humilhar é demais.
A família acalmou o espanhol de sangue quente e partiram para a “cava”, preparando-se para abrir os presentes. Nesse ínterim, a Ruth verdadeira, a tia abastada, arrependeu-se do boicote à festa e olhando para o peru e para o leitão, ambos solitários, resolveu mudar de atitude e vir reunir-se com a família.

O gran finale de Boni:

Ela chegaria de surpresa, com seu carro (ela era única que tinha um) trazendo nas bandejas as iguarias de Natal, enfeitadas com fios de ovos. E assim o fez. Chegou no portão da casa onde estávamos e tocou a campainha. Ao ver a cena, meu tio, enraivecido e ainda pensando que a Ruth da rosca e a minha tia eram a mesma pessoa, correu pelas escadas do sobrado e, no quarto, muniu-se de uma velha espingarda de caça. Abriu a janela e anunciou :

– Vá humilhar a madre.

E minha tia exibindo as bandejas:

– Feliz Natal! Feliz Natal!

E meu tio disparando a espingarda para o alto:

– Feliz Natal é a que te pariu.

Minha tia, assustada, volta para o carro e grita:

– Louco! Louco!

O carro arranca. Novos tiros se misturam com os sinos da meia noite da Matriz de Pinheiros. É o “pataleo” de Natal. No dia seguinte, a ressaca veio forte para o meu tio, quando ele, com dor de cabeça, atendeu o telefone e ouviu incrédulo:

– Aqui é a Ruth, a mulher do padeiro. Como foram de Natal? Gostaram da rosca que eu mandei?