Na filial Celestial do Café Restaurant Les Éditeurs (Restau-bibliothèque parisiense), estavam na mesma mesa os escritores Manoel Carlos Karam, Jamil Snege, Vinícius de Morais, mais o publicitário Sérgio Mercer e vejam quem chegou de repente: Humphrey Bogart e Lauren Bacall. Ele, é óbvio, com um cigarro na boca.

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Bogart abriu o jornal God News que trazia embaixo do braço, pediu dois cafés e mostrou a manchete do diário oficial do Paraíso:

– O Todo Poderoso vai proibir o cigarro no Céu!
– Inclusive fumódromos?
– Inclusive! Bogart acendeu outro cigarro, na brasa do anterior, e perguntou a Jamil Snege:
– Você, que fumou a vida inteira, o que acha dessa invasão de privacidade?
– Fatalmente isso iria acontecer aqui no Paraíso, porque lá no inferno o cigarro está proibido faz tempo. Fora do fumódromo, o Diabo quer ver a cruz, mas não quer ver um cigarro em sua frente. Pelos sintomas de tolerância zero, Deus precisa consultar um psiquiatra: ele está pensando que é o prefeito de Nova York.
Humphrey Bogart acendeu outro cigarro na brasa do outro, ofereceu o maço aos circunstantes e, espantado, botou a mão no ombro de Manoel Carlos Karam:
– Parou de fumar?
– Parei com 50 anos de idade. Fiquei dez anos sem fumar, até…
– Até ser convocado para o Exército da Salvação! (Bogart não perde a ironia) E foi difícil desertar do Exército do Vício?
– Em princípio, usei a seguinte técnica: no primeiro mês, fumava um cigarro por hora; no segundo mês, um a cada duas horas; e assim progressivamente, até me sentir seguro de parar definitivamente. Consegui, mas o aroma do tabaco ainda frequenta meu sono. Em compensação, depois que encerrei o calvário, comecei a saborear os aromas da vida. Confesso, no dia em que senti pela primeira vez, depois de muitos anos, o cheiro do café vindo da cozinha, chorei de felicidade.

Vinícius de Morais pediu mais gelo:

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– Dizem que o cigarro é o melhor amigo do homem. Sou mais o uísque: o meu cachorro engarrafado. A humanidade está sempre três uísques atrasada, não é mesmo Humphrey?

Bogart balançou a cabeça, passou os olhos no texto da manchete do jornal “God News” e pediu mais um café, para o cigarro depois:

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– Acabei de falar com o meu amigo James Dean, ele está indignado: na Terra morreu de acidente de automóvel. Agora, no Paraíso, acham que ele vai ter um câncer no pulmão. Indignado com razão! A indústria automobilística mata milhares por dia, e cada vez aumenta mais. A indústria do tabaco mata outros milhares, tanto quanto os carros, e cada vez fatura mais. Deus está escrevendo esta lei antitabagista por linhas tortas. Se pelo menos ele permitisse um fumódromo entre o Céu e o Inferno…!

Sérgio Mercer, que até aquele momento estava concentrado no soberbo “crème brûlée”, botou a sua colher no assunto:

– Humphrey, quer saber a minha opinião? Que Ele proíba também os fumódromos! Da última vez que fui a Paris, conheci o cubículo reservado para fumantes do aeroporto Charles de Gaulle: aquilo era uma pocilga! Com névoa espessa e dezenas de cinzeiros entulhados. E, de propósito, ninguém limpava o chiqueirinho. Caros amigos, é deprimente? Fumódromo é um quartinho de empregada com dezenas de angustiados compartilhando do mesmo castigo.
Lauren Bacall concordou:

– De fato, é um gueto! O calabouço da nicotina. Mas se for preciso pego o Bogart pelo braço e o arrasto para o fumódromo do Inferno. Neste ponto o Demônio é tolerante: dos males, o melhor!

Humphrey Bogart acendeu mais um cigarro na brasa do outro, tomou o braço de Lauren Bacall e pediu licença para se retirar, em seu velho estilo:

– Dizia um amigo roteirista: “Os vivos são os mortos de férias”.

E estes que estão passando uma temporada no planeta que se preparem: os fumantes morrem inapelavelmente de câncer. Os não fumantes serão obrigados a agendar o passamento, pegar uma senha e entrar na fila.