“Curitiba é conhecida como túmulo de orquestras espanholas – Suspiros de Espanha e Casino de Sevilla, principalmente – porque os músicos acabavam se apaixonando por alguma polaca e aqui encerravam suas carreiras.”

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Das melhores frases de Jaime Lerner, esta acima vai abrir o meu livro em andamento. Bem a propósito, ele vai se chamar “O último tango em Curitiba”, romance que começa com a chegada da grande orquestra do maestro Xavier Cugat ao aeroporto Afonso Pena, em 1949, e termina contando porque Curitiba deixou de ser uma cidade dormitório.

Espanhol da Catalunha, nascido em Girona, Xavier Cugat não encerrou sua carreira por causa de uma polaquinha de Curitiba. Mas por azar, dois de seus componentes da orquestra aqui se apaixonaram e deram provas de que o Primeiro Planalto do Paraná não só é o túmulo de orquestras espanholas, como também exerce uma estranha influência no destino dos ibéricos que aqui aportam. Desde o explorador Dom Alvar Nuñes Cabeza de Vaca – em 1541, a caminho de descobrir as Cataratas, ele quase morreu de pneumonia nas nascentes úmidas do Rio Iguaçu -, passando pelos castelhanos Gabriel de Lara, Matheus Leme e Baltazar Carrasco dos Reis, os primeiros povoadores desta muy leal Vila de Nossa da Luz dos Pinhais, até chegar à malfadada seleção espanhola desta Copa do Mundo.

É bem verdade que alguns poucos escaparam da maldição das orquestras espanholas. Entre eles os fundadores do Centro Espanhol do Paraná, clube que desde a década de 1950 vem tentando ensinar aos curitibanos a verdadeira receita da “paella” – com pouco sucesso, é verdade. Sem esquecer uma menção honrosa aos “madrileños” da Confeitaria das Famílias, há muito incorporados ao patrimônio imemorial da cidade.

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Assim como não se deve confundir alhos com bugalhos, convém não confundir os “madrileños”, “churros”, “rosquiñas” e a “ensaimada” com Suspiros de Espanha – a orquestra que levou para o túmulo o coração de tantos curitibanos que suspiravam por Sarita Montiel:

“En mi corazón / España, te miro / y el eco llevará de mi canción / a España en un suspiro”.  

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Comparada com “La Roja” do maestro Vicente del Bosque, a orquestra Suspiros de Sevilha não tinha craques de fina estampa como Iker Casillas, Piqué, Sergio Ramos, Fàbregas ou Iniesta. Mesmo assim, com o fôlego da noite, seus músicos não tiraram o corpo fora quando, numa certa madrugada de 1950, desafiaram os boêmios do Clube Botafogo das Mercês para um tira-teima no Campo do Poti – campinho de várzea que deu origem à Praça 29 de Março, cujo maior encanto era a cerca de ripas (madeira) que também fornecia armamento para as torcidas em guerra.

O tira-teima teria sido provocado durante a regulamentar canja de galinha de fim de noite – ou de fim de expediente -, quando um gajo de Paranaguá subiu na mesa e puxou um coro parecido com aquele do Rio de Janeiro, quando a Seleção Brasileira goleou a Espanha por 6 a 1. Diante de mais de 150 mil pessoas no Maracanã, logo depois do sexto gol, toda a torcida cantou em uma só voz a marcha “Touradas em Madri”, de Braguinha e Alberto Ribeiro.  

Como os espanhóis já tinham vencido os Estados Unidos aqui em Curitiba por 3×1, os músicos da orquestra Suspiros de Espanha estava tão gabolas que a provocação não podia passar sem resposta:

– Entonces que vengan los chifrudos de Curitiba!

A notícia de que os castelhanos da orquestra tinham desafiado os “chifrudos de Curitiba” para um tira-teima no Campo do Poti alvoroçou a noite. As dançarinas argentinas mandaram fazer bandeiras com as cores da Catalunha, enquanto afilhadas da Otília compunham troças dos gringos e os demais “rendez-vouz” ficaram divididos entre Suspiros de Espanha e boêmios do Botafogo das Mercês.

O resultado daquela peleia no Campo do Poti, numa tarde de segunda-feira – dia de folga de músicos e dançarinas -, não vou contar agora. “Por supuesto”.  Fica para o livro que pretendo lançar no ano quem vem. Só posso adiantar que boa parte da orquestra Suspiros de Espanha teve que ser sub,stituída no final daquela temporada.

Em seus últimos suspiros, os guapos de Madrid não contavam com tantas massagistas no final da partida.