Ao criar o mundo, Deus usou de todos os seus atributos e múltiplas vocações para fazer do planeta Terra um vasto campo de experimentações e, assim, colher subsídios para criar no futuro uma nova civilização. Com criaturas mais inteligentes e semelhantes ao próprio Criador.

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Como arquiteto, botou todos os japoneses do Universo numa pequena ilha para ver como eles se sairiam com problemas de habitação, mobilidade e divisão de espaço. Engenheiro, Deus concentrou na Califórnia as grandes ameaças de terremotos e no Golfo do México os furacões na esperança de que alguém lhe ajudasse a resolver uma falha de cálculo estrutural que nem mesmo Ele conseguiu resolver. Músico, Deus fez nascer na Inglaterra quatro cabeludos, para sentir como a humanidade reagiria ao som do rock ‘n’ roll. E assim por diante, até o Deus sociólogo criar Curitiba com a intenção de fazer um estudo do comportamento da classe média. Quando as estatísticas registram que a cidade é majoritariamente de classe mediana, não é apenas uma constatação socioeconômica. É a vontade de Deus.

De vez em quando o Todo Poderoso sobe na antiga Torre da Telepar e pergunta:

Como vai você, Classe Média?

Ela responde numa só voz:

 – Vou levando, devagar e sempre, essa vidinha mais ou menos!

Em Curitiba, os rebentos da Classe Média tem nome e endereço: a Turma da Praça Espanha. Essa rapaziada de valor que se toca na tese de Jaime Lerner: “A rua é um equipamento urbano muito caro para ser usado apenas pelo automóvel”.

Na noite de sábado, para comemorar o ano que só começa depois do Carnaval, a Turma da Praça Espanha mostrou que a praça é do povo assim como o céu é dos aviões de carreira, dos beija-flores e dos urubus. E a turma não e fraca. Nada mais, nada menos, do que 25 mil criaturas celebraram a vida com queima de fogos de artifício, brindes com espumante, coxas e atleticanos vestidos de branco se abraçando e desejando feliz ano novo uns aos outros.

É essa Turma da Praça que ainda vai ressuscitar as ruas e praças de Curitiba, há muito entregues de mão beijada aos meliantes. São os filhos de Deus da Classe Média a se rebelar com o confinamento nas catacumbas de concreto e gesso a que foram condenados. Com cinco andares abaixo da terra e mais de vinte quilômetros de corredores, era nas catacumbas romanas que os cristãos se refugiavam dos perseguidores, enterravam seus mortos e realizavam seus cultos de fé. Séculos e séculos depois, as catacumbas modernas são os nossos centros comerciais, com vários andares acima e abaixo da terra, quilômetros de corredores, onde os filhos de Deus se protegem da violência e celebram cultos à deusa Grife.

Em meados do século passado a cidade tremia com as arruaças da Turma da Saldanha, uma gangue da Classe Média que barbarizava festinhas de 15 anos. Hoje os netos daquela turma sobem a rua Saldanha Marinho e confraternizam na Praça Espanha.

Curitiba não é mais aquela.

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