Trotes e troças

É só o que se fala na Boca Maldita: a denúncia que colocou sob suspeita a venda de dois terrenos do Jockey Club do Paraná, no valor total de R$ 20,1 milhões. Na assembleia de associados do Jockey que aprovou a negociação, constariam sócios que não participaram e pessoas que já morreram, além de nomes que aparecem duas vezes na lista.

Por se tratar de uma das mais tradicionais instituições do Paraná, na Boca Maldita a cavalar suspeita atropelou na reta de chegada a farra das passagens aéreas dos deputados. Principalmente porque um dos nomes supostamente fraudados seria o do jornalista Cândido Gomes Chagas. Para quem não sabe, este é um dos agravantes da denúncia: Candinho, editor da revista Paraná em Páginas, dá um pangaré para não entrar numa briga e um plantel puro-sangue para não sair.

A atenuante da denúncia de fraude na lista de assinaturas do hipódromo do Tarumã é que, por sorte, não disparou na frente o nome de um tal de “Filha-da-Puta”. Se bem que rebentos de tal natureza nunca faltam nessas altíssimas transações imobiliárias.

“Filho-da-Puta” (o cavalo, não o especulador) é de 1812 e a versão mais coerente para este nome conta que o militar inglês Sir William Maxwell, numa colônia portuguesa do Ceilão, tinha uma égua puro-sangue com o nome da digníssima esposa. Quando flagrou a mulher transando com o cavalariço, bem no dia do nascimento de um potro, o batizou com tal nome a conselho de um amigo português. O campeão “Filho-da-Puta”, depois de se tornar um milionário reprodutor, ganhou ainda uma gravura mundialmente famosa.

Na acusação de fraude na lista de votação do Jockey Club, além do nome de pessoas que dizem não ter votado, de sócios que já faleceram, constam pessoas que não são sócias. Segundo fontes da Boca Maldita, só não foram incluídos na lista os seguintes nomes: H. Lopes: professor de hipismo / Ana Lisa: psicanalista / P. Lúcia: fabricante de bichinhos / Marcos Dias: fabricante de calendário / Olavo Pires; balconista de lanchonete / Décio Machado: guarda florestal / Hélvio Lino: professor de música / Eudes Penteado: cabeleireiro / Sara Vaz: mãe de santo / Passos Dias Aguiar: instrutor de auto-escola / Sara Dores da Costa: reumatologista / Iná Lemos: pneumologista / Ester Elisa: enfermeira / Ema Thomas: traumatologista.

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Essa denúncia contra o Jockey Club é mais uma que vai para o folclore surfístico do Paraná, como contou Luiz Renato Ribas, no seu livro Esses cronistas super-heróis e suas mancadas maravilhosas.

Raul Gomes Júnior, redator-chefe da Gazetinha, recebeu de um leitor uma crítica à diretoria do Jockey Club e, sem o cuidado de ler o texto antes, mandou publicar em 15 de dezembro de 1945, na íntegra. Com rima e veneno, a troça abalou a diretoria do Jockey, como se pode conferir:

O proprietário de Lady, é moço guapo / Formado em Direito e Moleza / Associou-se ao homem do macaco / Para o bolso levantar com esperteza.

Mas o Brandão, que também não é cabra taco / Fez a ninfa estragar a Marmelada / E o Ceguinho ficou a espera do Macaco / Que sumiu-se… na reta de chegada.

E o povo, esse público lesado / Que arriscou de boa fé o seu dinheiro / Visou bem esse moço, Diplomado / Proprietário de cavalo e fazendeiro.

E, assim vão surgindo de mansinho… / Os Marmiteiros do bolo acumulado / Hoje o Mário, o Arides, o Ceguinho / E amanhã, talvez… o mais graduado.

Seu Alô, não precisa quase nada / Para o Turfe ficar moralizado / É bastante com Veneno ou à paulada / acabar com os ratos lá no Prado.

Na edição seguinte da Gazetinha, o jornalista Raul Gomes se autopenitenciou e “enfiou o rabo no meio das pernas”.

“Em acidentada carreira de cronista, encontra-se este por vezes em frente de dilemas que somente a experiência poderá indicar o exato caminho, entretanto, eu, iludido, em minha boa-fé, fiz a publicação, sem me aperceber de pronto o fundo da discussão”.