Tricolor de coração

Passou ao largo da batalha campal no Alto da Glória uma outra escaramuça esportiva, onde se rasgou o decreto de Millôr Fernandes: “Todo homem tem o sagrado direito de torcer pelo Vasco na arquibancada do Flamengo”. A mais notável vítima de guerra é Carlos Alberto (Nêgo) Pessôa, filho de Irati e torcedor do Fluminense.

Para os torcedores da capital, empunhar a bandeira de um time forasteiro é um crime inafiançável há muito aguardando regulamentação. Açoite é pouco para o londrinense que torce para o Corinthians ou Palmeiras. Forca para o torcedor de Pato Branco que veste a camisa do Grêmio ou Internacional. No caso do jornalista Nêgo Pessoa, pena máxima, açoite seguido de forca, por ser ele coxa roxo e ao mesmo tempo torcedor do tricolor carioca.

Com essa dupla identidade, imaginem quanto o escriba foi açoitado pela internet no pós-guerra do rebaixamento do Coritiba. Negando-se a ser levado à forca, Nêgo Pessoa fez sua defesa em seu próprio blog (http://negopessoa.com/blog/), onde escreveu uma peça de defesa definitiva para esse processo de cizânia há muito discutido entre os de serra acima e serra abaixo. Não menos paranaense do que ninguém, e iratiense acima de tudo, Carlos Alberto Pessôa com a palavra, “Pela última vez”.

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Mas o que é que tanto atraiu os cretinos contra mim? O imenso crime de torcer pro Flu! É! A gente não pode mais torcer pro Flu! Não em Curitiba! Não se você nasceu no Paraná!

Ora, não nasci no Paraná! Nasci em Irati. E em Irati, no início da década de 50, ninguém torcia para time algum de Curitiba! Ninguém dava a mínima para o campeonato paranaense e para os clubes da capital! A piazada ou torcia para o Flamengo ou para o Vasco, raros para o Flu, mais raros ainda para o Bota. Enfim reproduzíamos os percentuais de preferências dos cariocas. (E não era só a meninada que se ligava no futebol do Rio, não! Os adultos talvez mais ainda!)

Alienação? Babaquice? Nada disso! Havia um problema de comunicação: nos ligávamos ao mundo via rádio Nacional, PRE-8, via revista O Cruzeiro, via O Jornal, via Sport Ilustrado! Todos veículos cariocas de audiência nacional! Especialmente a Rádio Nacional, espécie de Globo só áudio, e O Cruzeiro. Papai, patrioticamente, e também por razões políticas, assinava o lixo de nome O Dia, sujo e ilegível, editado em Curitiba. E do qual o piá que eu era passava longe, com nojo de pegá-lo tanta tinta soltava.

Para você ter uma ideia, quando o Mengão ganhou o tri em 55, houve carreata em Irati! Liderada entre outros pelo Viquinho, Carlos Alberto, precocemente falecido. Para você ter uma ideia: aos domingos a gente se apinhava nos bares&botecos&sinucas com rádio (raridade à época) pra ouvir os jogos do campeonato carioca! Os preferidos eram o do Chávez, na frente da casa dos Kominskis, na Rua XV, e do Borges, na Rua da Estação, pertinho da Praça da Bandeira.

Nunca, nenhuma vez, ouvimos a Guairacá ou a Bedois. Nunca, nenhuma vez, fui gozado por derrota do Coritiba! Nunca, nenhuma vez, tiramos sarro por motivo paranaense. Já um empate do Flu com o Bonsuça era motivo de gargalhadas e eterna vergonha. Ok?

Já contei que vim a Curitiba ver o Flu contra o finado Ferroviário, na Vila? E que o Flu perdeu de 4 a 3? E no ponto do ônibus, que ficava em frente à farmácia do meu pai, a patota lá estava à minha espera, para me gozar? Isso foi em 55! Eu não tinha sequer 13 anos! E eles querem que eu torça pro Bloco Morgenau! Que perto dos 70 renegue minha paixão infantil! Que a troque pressionado por babaquice provinciana! Não sou provinciano! Graças a Irati! Ou melhor, graças a Irati, “Irrati, Irrati, tera querida”. E por não ser provinciano sou tricolor de coração / Sou do Clube tantas vezes campeão… modestamente.

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Para aqueles que defendem o sagrado direito de torcer pelo Coritiba na arquibancada do Atlético, uma convocação: no próximo dia 21 de dezembro Nêgo Pessoa estará lançando o livro “Modos&Modas” no Paço Municipal.