Três lendas brasileiras

IARA foi a perdição de Jaguari, filho prendado de uma família de nenhuma posse. Engenheiro mecânico provedor da casa, ele pagava o estudo do irmão mais novo. Salário não sobrava, os outros irmãos que se virassem. No sábado voltou mais tarde que de costume, no domingo dormiu direto. Não foi ao futebol, deitou no sofá da sala macambúzio, com o olhar fixo na televisão. Quando a mãe chegou da missa das seis, Jaguari contou tudo: ?Ontem saí com Iara, a do quinto andar. Aqueles olhos verdes não me saem da cabeça?.

A mãe de Jaguari ficou passada de espanto: ?Jaguari, foge dessa Iara! Conheço a ambiciosa. Só enxerga roupa de marca, do bom e do melhor. Foge do encanto da moça! É linda de morrer! Os olhos verdes da Iara disfarçam desgraça?.

Jaguari ouviu os conselhos da mãe, mas não pôde resistir aos encantos de Iara. Não foi muito tempo, o encantado precisou recorrer a um banco de crédito consignado. Jaguari desapareceu da cidade com a família.

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MARABÁ nasceu de olhos azuis, cabelos louros, pele branca, e rejeitada! Mestiça de índia com um turista alemão da Baviera, veio ao mundo como desconforto moral para a família crente da boa conduta da mãe, Jupira.

O alemão já não mais estava no Brasil, partiu sem saber que ia ser pai. Na praia da Boa Viagem, o turista se despediu da morena com três mimos: duas notas de cem euros e um anel de falso brilhante.

Forçada a abandonar o bebê na porta de algum orfanato, Jupira só conseguiu salvar a recém-nascida quando fugiu para o Rio de Janeiro.

Passaram-se os anos. Jupira morreu de aids, nunca mais voltou a ver o louro da Baviera. Marabá ficou no abandono. Teria o destino da mãe, não fosse a calçada de Copacabana. Marabá foi abordada por um senhor de meia idade, louro e muito elegante. Depois de um rápido acerto de intenções, o turista alemão levou a adolescente para um motel. Enquanto caminhavam, Marabá mostrou ao galante o anel que levava no dedo, contou a história daquele falso brilhante.

Com os olhos azuis marejados de lágrimas, o turista abraçou Jupira: aquela bela morena que ele conhecera na Boa Viagem lhe deixara uma filha.

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LINDÓIA era descendente de guarani. Minguava de fome numa vila esquecida no interior do Paraná. O marido Cacambo trabalhava na construção civil em Curitiba. Moço guerreiro, era mais uma vítima da globalização que arrancava da terra os trabalhadores rurais. Certo dia, quando Lindóia foi à cidade receber o caraminguá enviado pelo marido, recebeu a notícia: Cacambo havia sido morto por uma bala perdida.

Lindóia voltou a pé para a aldeia e foi chorar numa plantação de soja nos fundo da tapera onde morava. O irmão mais novo, Caititu, a seguiu de longe, ressabiado. De repente sumida, Caititu encontrou a irmã deitada, como se estivesse dormindo. No colo de Lindóia, uma serpente. Caititu disparou um tiro certeiro e matou a cascavel. Em vão. Ao se aproximar, percebeu um pequeno ferimento acima do seio de Lindóia e, enfiado no sutiã, um envelope endereçado ao amado Cacambo.

Caititu, então, deu-se conta do sucedido: Lindóia se deixara matar pela serpente, sem saber que um dia o marido estaria de volta.

Cacambo não morreu de bala perdida. Vivo estava. Preso por engano numa batida policial, o coitado tinha paradeiro desconhecido.