Torturadores de sempre

A ilustração de capa da revista “Life” de 22 de maio de 1902 ainda não perdeu a validade, ao mostrar os soldados norte-americanos torturando um prisioneiro filipino por afogamento. Ao fundo, europeus comemoram porque os americanos já não podem dar lição de moral: “Esses ianques devotos não podem mais jogar pedras em nós” – diz a legenda da capa.

As botas do imperialismo norte-americano já foram ao mundo da Lua. No entanto, as pegadas que deixaram ainda são as mesmas do início do século passado, quando Theodore Roosevelt começou a sua marcha em direção ao Pacífico. “A conquista do Oeste”, para usar a expressão que vem desde os tempos Búfalo Bill, é muito bem elucidada no livro “O Cruzeiro Imperial”, de James Bradley.

Em um relatório divulgado terça-feira agora, a Comissão de Inteligência do Senado acusou a CIA de ter enganado rotineiramente a Casa Branca e o Congresso sobre informações obtidas a partir da detenção e interrogatório de suspeitos de terrorismo. Ainda de acordo com o documento, os métodos utilizados pelos agentes da CIA eram mais brutais do que os reconhecidos pela agência, tanto para funcionários do governo Bush quanto para o público.

As chamadas “técnicas de interrogatório” da CIA incluíam simulação de afogamento, privação do sono, golpes, ameaça psicológica e até hidratação retal, revela o documento divulgado pela Comissão de Inteligência do Senado. O relatório acusa a CIA de submeter prisioneiros da guerra contra o terror a “técnicas reforçadas de interrogatório”, que incluíam ainda lançá-los contra paredes, banhos gelados, tapas na cara e socos na barriga. A simulação de afogamento (waterboarding) é, talvez, a técnica mais tristemente célebre. O preso era mantido amarrado a um banco inclinado, enquanto o interrogador lhe jogava água pelo nariz e a boca, durante 20 a 40 segundos, impedindo o interrogado de respirar.

Na invasão e domínio das Filipinas, o “waterboarding” era conhecido como “cura pela água”. O ex-primeiro-tenente Grover Flint, que serviu nas Filipinas de novembro de 1899 a abril de 1901, descreveu a tortura com água a um comitê do Senado:

“Um homem é jogado de costas e três ou quatro homens se sentam ou pisam em seus braços e pernas e o mantêm preso, e o cano de um rifle, ou um bastão grande, é simplesmente enfiado entre os maxilares dele, que são empurrados para trás, e se possível um caibro de madeira ou uma pedra é colocado sob o seu pescoço, para que ele possa ser segurado com firmeza. Ele é simplesmente mantido no chão e água é jogada de um jarro sobre o seu rosto, descendo pela garganta e o nariz. Isso continua até o homem dar sinal de desistir ou de ficar inconsciente. Seu sofrimento deve ser o de um homem que está se afogando, mas ele não pode se afogar”.

Para dominar os “negros do pacífico” – como eram tratados os filipinos -, os torturadores do Tio Sam tinham até uma popular canção chamada “A cura pela água”, descrevendo alegremente o processo. Dizia o primeiro verso: