Tipos para esquecer

A revista Seleções do Reader’s Digest tem uma seção chamada “Meu Tipo Inesquecível”, onde são contadas biografias condensadas sobre personalidades que marcaram pessoas, cidades e países. Hoje modernizada e sem graça, a Seleções deixou de ser a revista do médico e do dentista, a preferida nas temporadas de veraneio.

Quem ainda tem daquelas casas de praia dos anos 1950 ou 60, tem também uma grande possibilidade de encontrar a coleção completa das Seleções do Reader’s Digest em algum canto do quartinho onde se entulham guarda-sóis, cadeiras de praia, raquetes de frescobol, bolas murchas e engradados de cerveja.

Infelizmente, não conheço o felizardo que tenha a coleção completa das Seleções do Reader’s Digest. Tenho alguns exemplares para matar a saudade das temporadas de verão, quando a minha leitura de praia se resumia ao tríduo Jorge Amado, gibi e a Seleções do Reader’s Digest, que tinha seções assim: “Enriqueça seu vocabulário”; o “Livro do Mês”, na forma de um best seller condensado; “Piadas de Caserna”, anedotas de salão que hoje podem ser contadas até no salão paroquial; e o “Meu tipo inesquecível”, título que se incorporou aos falares do dia-a-dia.

Seja na escola primária, na universidade, no trabalho, no clube, no culto a celebridades ou na vida política, todos nós temos um tipo inesquecível. Alguns deste tipos são indeléveis em nossa memória, até nos influenciam na vida afora. Outros são fugazes, como a maioria, passageiros como as chuvas de verão. A belíssima “Chuvas de verão”, aliás, é uma canção de Fernando Lobo bem ilustrativa:
Podemos ser amigos simplesmente / Coisas do amor nunca mais / Amores do passado, no presente / Repetem velhos temas tão banais / Ressentimentos passam com o vento / São coisas de momento / São chuvas de verão.

O reverso do “Meu tipo inesquecível” é o ” Tipo para esquecer”. Fugazes, são aqueles personagens que marcam um breve período das nossas vidas. Coisas do momento, são as chuvas de verão.

Parafraseando o mestre Millôr Fernandes: “Sim, do ano velho nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus”.

E entre uma porção de coisas, adeus àqueles “tipos para esquecer”. As coisas do momento que tomaram nossa atenção e tempo neste ano de 2010. São as “coisas e coisos” para esquecer.

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Quem sabe das coisas tem a clara noção de que a esbórnia brasileira será devidamente compreendida e assimilada dentro de uma ou duas décadas, conforme o andamento dos historiadores e quando a versão final da biografia dos atuais personagens exigir a verdade dos fatos.

“Coisa”, sabemos, é tudo aquilo que existe ou pode existir, é qualquer coisa que a rapaziada não sabe bem o que é, nem que nome empregar. Pode ser um adjetivo, se nos referirmos às qualidades do presidente, por exemplo: “O discurso do Lula foi uma coisa”. E “coiso” é um substantivo genérico no linguajar da galera: no masculino “coiso”, no feminino “coisa”.

Das coisas que hoje estamos sabendo, muito mais coisas saberemos no futuro. E dos personagens dessa coisa toda, alguns ainda estarão participando das coisas e muitos deles serão transformados em “coisos”. Dia virá que um nosso filho, neto ou bisneto, virá nos perguntar:

– Quem foram os “coisos” que sustentaram por tantos anos aquelas “coisas” na Assembleia Legislativa do Paraná?
– No ano que o Brasil perdeu a Copa foram tantas as “coisas” que ninguém mais lembra daqueles “coisos”.
– 2010 foi um ano para esquecer?
– De jeito nenhum. Naquele ano, o Brasil escolheu uma mulher para presidente e, no Paraná, a reinauguração do Palácio Iguaçu foi uma “coisa”!