Tainha com pinhão

Enquanto serra acima é a safra do pinhão, serra abaixo é a temporada da tainha. E juntando coisa com coisa, temos a receita catarina com sotaque leitE quentE: tainha com pinhão.

Confraternização se faz à mesa, juntando o Brasil Meridional num único prato. Se na Guerra do Contestado, na divisa do Paraná com Santa Catarina, um pacificador com dotes culinários reunisse em torno de uma mesa farta as partes em conflito, com certeza ninguém sairia da comilança com a barriga cheia de chumbo grosso. Pelados e peludos, caboclos e milicos, todos chegariam ao consenso com um brinde:

– Comer, beber e amar… O resto não vale um níquel!
Com olhar apaziguado
o monge Zé Maria, líder dos pelados revoltosos, diria ao coronel João Gualberto, líder dos peludos da força pública:

– Tainha recheada com pinhão, ora essa! Onde foram buscar essa receita? Serra abaixo ou serra acima?

O enviado da Southern Brazil Lumber & Colonization Company Inc., que não podia ver um pinheiro em pé, chamaria então à mesa de negociações o pacificador de forno e fogão para revelar o segredo do armistício.

– De origem, é “mezzo a mezzo”, “fifty-fifty” – diria o diplomata da gula, detalhando em seguida a receita básica: uma tainha grande e limpa; quatro limões; uma cebola; dois tomates; 1/2 xícara de salsinha; 1/2 xícara de cebolinha; três dentes de alho; sal a gosto; palitos de dente; folha de bananeira e um quilo de pinhão. Para o recheio, cozinhe o pinhão sem sal. Após, descasque o pinhão e o triture.

Monge Zé Maria, que da cozinha só conhecia o fogo dos infernos, levantaria uma questão prática relevante:

– Como assim, triturar o pinhão?

– Triturar, esmigalhar responderia o pacificador!

E continuaria o pacifista da tainha com pinhão:

– Pique os tomates, a cebola e os temperos. Misture com o pinhão triturado. Com a tainha, faça aproximadamente quatro talhos nos dois lados do corpo, tempere com limão e sal. Deixe descansar por 15 minutos. Recheie a tainha e feche com palitos de dente. Enrole na folha da bananeira e coloque na grelha para assar por aproximadamente 1 hora.

Naqueles tempos da Guerra do Contestado, entre 1912 e 1916, o coronel João Gualberto era um dos raros militares que conhecia um livro. Assim, causaria espanto a erudição deste que é nome de avenida em Curitiba.

– O escritor Eça de Queirós, caros confrades, também foi um grande apreciador de tainha. Só não conheceu a tainha recheada com pinhão. Apreciador da mesa farta, descrevia com riqueza de detalhes o paladar dos seus personagens nas refeições ou mesmo nos banquetes que aconteciam em seus romances. Em vários deles a tainha está presente nos cardápios, e receitava o mestre português:

”O peixe, por exemplo, pode ser uma tainha. E aqui está como ela se prepara, ó estudiosos. Tomai essa tainha. Escamai e esvaziai. Preparai uma massa bem batida, com queijo (que hoje pode ser parmesão), azeite, gema de ovo, salsa e ervas fragrantes, e recheai com ela a vossa tainha. Untai-a então de azeite e salpicai-a de sal. Em seguida assai-a num lume forte. Logo depois de bem assada e alourada, umedecei-a com vinagre superfino. Servi e louvai Netuno, deus dos peixes….”

De pandulho forrado, embevecido com a receita de Eça de Queirós, o monge Zé Maria entregaria o facão e a garrucha ao coronel João Gualberto e, depois de um forte abraço no gringo da Southern Brazil Lumber & Colonization Company Inc., proporia um brinde ao casamento da tainha com o pinhão, citando um dito dos caboclos manezinhos de Florianópolis:

– Céu pro oeste esgazeando, muito frio na serra, muito pinhão caindo, muita tainha chegando!