Na Vila Olímpica, tudo leva a crer que a culinária inglesa (uma das mais sofríveis do mundo) é o que tem provocado a falta de apetite dos brasileiros por medalhas. E não é por menos, pois como se sabe os britânicos costumam matar seus carneiros duas vezes: uma no abate, outra na cozinha.

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Até os alemães (que só conseguem encher linguiça) concordam que a rainha nunca pisou na cozinha, pois um dos motivos que teria levado Hitler a retardar a invasão da Grã-Bretanha (e com isso perder a guerra) foi a perspectiva de passar uma temporada em Londres comendo “fish & chips” (peixe frito servido no papel jornal com batata frita).

Entre uma modalidade olímpica e outra, estou a ler o último livro do grande historiador inglês Tony Judt, autor da monumental obra sobre o “Pós-Guerra”. De fato, “O chalé da memória” foi o último livro de Tony Judt: aos 60 anos, diagnosticado com uma doença degenerativa incurável, passou o resto dos seus dias na cama, imobilizado, morrendo e escrevendo aos poucos suas memórias de vida.

Uma das melhores (pelo menos o mais delicioso) e prazerosas 220 páginas do livro são aquelas onde o historiador trata nostalgicamente da tradicional culinária inglesa: “Só porque crescemos à base de comida ruim, não quer dizer que não temos nostalgia”. De origem hebraica, não que a mãe de Tony só cozinhasse conforme os ritos da cozinha judaica, ou “casher”. Ela simplesmente agia como todas as donas de casa inglesas: cozinhava tudo até desmilinguir: “Foi assim que passei a associar comida inglesa com a absoluta ausência de sabor, e não com eventual falta de sutileza”. Basicamente, almoçavam carne ensopada, legumes cozidos e nunca conheciam um vegetal verde que não pudesse ser torturado até a morte numa panela.

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Na Inglaterra do pós-guerra, além do regime doméstico insosso e inevitável, só havia três saídas: a caríssimas cantinas italianas frequentadas pela boemia, a comida chinesa adaptada ao paladar britânico e os restaurantes indianos. Ou então a travessia do Canal da Mancha.

Na lembrança de Tony Judt, a comida indiana o tornava inglês: “Como a maioria dos ingleses da minha geração, penso em comida indiana para viagem ou pedida pelo telefone como uma comida nativa, importada séculos atrás. Sou britânico o suficiente para considerar a comida indiana em particular um aspecto da Inglaterra”.

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Em busca do gosto perdido, o grande historiador que morreu em 2010 termina o capítulo suspirando por um pão indiano “naan” embebido na sopa com bolas de “matzá”, servido em iídiche por um garçom de Madras: “Somos o que comemos. Eu sou bem inglês”.