Afinal, o Barreado nasceu em Morretes, Antonina ou Paranaguá? Para tentar resolver de uma vez por todas esse entrevero que vem atravessando séculos, foi realizado em Porto de Cima, no pé da Serra do Mar, o 1.º Simpósio da Origem do Barreado.

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A questão de gênese do “púcaro caiçara” (segundo a paleografia litorânea do historiador Henrique Paulo Schmidlin, o “Vitamina”) vem dos tempos em que Auguste de Saint-Hilaire percorreu o Paraná serra acima e serra abaixo. Muito bem recebido na Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, ao se despedir para tomar o rumo da Graciosa o naturalista francês pediu, a um dos anfitriões, a indicação de alguma pousada que servisse alguma comida típica do litoral.

Depois de cumular com gentilezas, fazendo questão absoluta de receber o viajante para comer todos os dias em sua casa, o capitão-mór da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais recomendou:

– “De Porto de Cima, passando por Morretes e Antonina, até chegar a Paranaguá, o senhor vai encontrar um punhado de boas pousadas onde servem o Barreado, prato típico dos litorâneos. Porém, acautele-se senhor: existe uma recente rixa entre eles quanto à paternidade do cozido de carne na panela de barro enterrada na terra e envolta em folhas de bananeira”.

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– “Pitoresca receita, monsieur, porque me parece que nestas paragens o menu lembra muito os franceses. Aqui o jantar começa sempre por uma sopa com pão, o que eu ainda não tinha visto em nenhum lugar desde que cheguei ao Brasil. Normalmente, tudo se resume a uma simplória carne seca com farinha”.

– “O Barreado recebe temperos exóticos e fortes, num cozimento que leva três dias, dizem. Os caiçaras comem a carne com banana, fazendo do molho adicionado de farinha o que eles chamam de pirão!”.

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-“Pirão? Em minhas andanças experimentei semelhante coisa nos Campos Gerais, mas lá os tropeiros chamam este preparo de “virado à paulista”, feito com feijão e acompanhado de charque assado na brasa. É palatável, mesmo de feitio um tanto quanto rústico”.

Trabalhava na casa do capitão-mor uma cozinheira de Guarapuava, proveniente de um daqueles povos indígenas que tinham o hábito de fazer uma pequena tonsura ao redor da cabeça, e que por isso os portugueses chamavam de Coroados. Essa mulher conversou em sua língua nativa com Saint-Hilaire, sendo traduzida por índio da mesma tribo.

Disse a cozinheira de Guarapuava:

– “Já trabalhei numa pousada em Morretes. Sei a receita do Barreado, só não sei quem fez primeiro. Esse Barreado tem briga parecida lá em Guarapuava: uns dizem que o arroz carreteiro foi inventado pelos índios do Uruguai, outros dizem que veio da Espanha, na panela do cacique Cabeza de Vaca.

Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, essa guerra entre Morretes, Antonina e Paranaguá não vai acabar nunca”.

No Paraná, assim como serra acima as mágoas acumuladas não conseguem pacificar Pica-paus e Maragatos, serra Abaixo a origem do Barreado precisou de um grande simpósio para buscar, por meio de algumas pistas do passado, certas verdades nas estórias contadas no presente.

Em Porto de Cima, num sábado frio e chuvoso, foram abertos os trabalhos do 1.º Primeiro Simpósio da Origem do Barreado, com a seguinte composição da mesa: presidente -historiador Henrique Paulo Schmidlin (“Vitamina”); secretário -jornalista Geraldo Bolda; mediador – Nelson Luiz Penteado Alves (“Farofa”).

Debatedores especialmente convidados: Guilhobel Camargo, chefe de cozinha; Luiz Alfredo Malucelli, cronista e cozinheiro; Aramis Millarch, jornalista; Wilson Martins, crítico e escritor; Rosy de Sá Cardoso, jornalista; Roselys Vellozo Roderjan, historiadora; Arthur Tramujas Netto, promotor; Rafael Greca de Macedo, engenheiro; Auguste de Saint-Hilaire, naturalista; Valêncio Xavier, cineasta e
escritor; Emílio de Menezes, poeta; Sérgio Mercer, o “Barão de Tibagi”; e Alexandre Dumas, escritor francês, entre outros.

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Se Nossa Senhora da Guia permitir, amanhã teremos a segunda página do Simpósio do Barreado.