Serra abaixo, serra acima

Véspera de feriadão, uma pergunta paira sobre Curitiba: fico ou não fico? A indagação é dirigida aos nossos próprios botões e, mesmo inaudível, o eco da dúvida bate na Serra do Mar e rebate nos paredões de São Luiz do Purunã.

Serra abaixo ou serra acima, eis a questão. Em pleno outono, muitos não acham graça em ficar em Curitiba sem os ipês amarelos da primavera. E morrem de inveja das passagens aéreas concedidas pelos deputados e ministros, mimos de uso exclusivo de namoradas, amantes e afilhados. Sem essas mordomias brasilianas, o curitibano se conforma e joga uma moeda sobre a mesa de trabalho: cara, serra acima; coroa, serra abaixo. Cara: “É indescritível o pôr-do-sol em Guartelá”, jura com a mão na bíblia o historiador Oney Barbosa Borba. “Duvidamos que haja outro lugar neste sul do Brasil que apresente em meia hora um espetáculo de luz e cores tão vivo, extasiante e imenso. Como não se pode descrever, pintar, fotografar, o que o cidadão atual faz, seja ele simplório ou ilustrado, é abrir a boca, diminuir o passo do animal em que monta, reduzir a marcha do carro em que viaja, ou sentar num cupim à margem do carreiro e cismar engolindo o panorama com todos os sentidos.”

A paisagem dos Campos Gerais nos é familiar, considerando que em Tibagi, terra da família Mercer (a Mercearia), nos recebem na porta da cozinha, à beira do fogão a lenha, onde reina a quirera com costelinha de porco, escoltada pela paçoca de carne, seguidas de perto pelo bolinho de polvilho.

Esquisito é o nome: Guartelá. A origem, diz a lenda transmitida desde o século XVII, vem dos Caingangues, quando a indiarada em pé-de-guerra fazia suas correrias, atropelando tropeiros, senhores das sesmarias dos Campos Gerais e demais moradores, como conta o cronista Oney Barbosa Borba: “Um desses, previdente, com seus bombeiros soube de um próximo ataque dos bugres. O vizinho mais próximo e sujeito à mesma sorte das flechas dos caingangues era amigo e compadre. Urgia avisá-lo. Despachou um próprio a galope com mensagem elucidativa, cheia de pormenores sobre as manobras dos bugres. Terminava a mensagem com séria advertência:

– Guarda-te-lá que eu cá bem fico!

O fecho do aviso é que teria dado origem a dois nomes: “Guartelá’ e, “Benfica’, justamente os lugares onde moravam os dois compadres amigos, distantes um do outro poucas léguas. É lenda, não há dúvida, porém mais aceitável em falta de melhor explicação, que até hoje não conseguimos obter”.

*****

Nem cara nem coroa, por dever de ofício neste feriadão de Tiradentes sigo serra abaixo rumo a Santo Antônio de Lisboa, na Ilha de Santa Catarina. Neste sábado lá estarei lançando meu livro (Curitiba: melhores defeitos, piores qualidades), com a recomendação do amigo escritor Deonísio da Silva: “Aos amigos que moram na cidade, nas redondezas ou se estiverem na bela Florianópolis, ex-Ilha do Desterro, nome mais bonito, pois não homenageava nenhum sátrapa sanguinário e enforcador de catarinenses revolucionários ou revolucionários catarinenses, recomendo o lançamento do livro do ‘catarinauta’ Dante Mendonça”.

Por que Santo Antônio de Lisboa? Porque nada mais combina com um sábado do que aquele recanto belo da ilha (uma das primeiras comunidades fundadas por imigrantes açorianos que chegaram na metade do século XVIII), tendo como recreio ostras antes, durante e depois. Ou então, “Punhetinhas de bacalhau”. Se o nome não lhe cair bem, a culinária dos manezinhos tem outros nomes pitorescos: “Cação à Zé do Cacupé”, “Caldeirada à Fragateiro”, “Camarão metido a besta”, “Estopa do Vadinho”, “Manjuvão com pirão”, “Marisco lambe-lambe”, “Marisqueira assada à vinhateiro”, “Peixe à Moleques do Sul”, “Peixe arrombasses Layla”, “Tainha à moda do Janja”.

Neste sábado, Serra abaixo tenho endereço: a partir das 11h, no Restaurante Samburá, no Caminho dos Açores, em Santo Antônio de Lisboa.