No início dos anos 1980, o falecido poeta e publicitário César Bond abriu uma mistura fina de bar com livraria: Bond Bar, Bond Ler. Era sócio de outro Bond, Rosnel Bond.

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Ficava nos fundos de uma galeria comercial da Rua Emiliano Perneta. Embaixo, a bem fornida biblioteca; em cima, o bem fornido bar. Unindo os dois, estreita escada que revelava muito da concorrida paisagem feminina local.

Num fim de noite, estava César Bond bem decidido a fechar o caixa e abrir um livro de Ferreira Gullar, quando subiu um retardatário. Freguês bem conhecido, daqueles que chegam tarde, bebem quietos e saem tarde. Era daqueles boêmios que pagavam a conta, coisa que a maioria dos jovens escritores do recinto fazia questão de apenas autografar.

César Bond providenciava o uísque duplo do retardatário, quando o bom pagador o chamou:

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– Podemos levar uma conversa no particular?

Bond chorou no duplo Old Eight, com bastante gelo, e se chegou à solitária mesa:

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– Estou precisando um favor do amigo.

– Sim?

O retardatário deu o primeiro gole e soltou o que lhe afligia naquele fim de noite:

– Você poderia trocar um cheque pra mim?

– Claro. Para os amigos tudo, se precisar até empresto um livro. Só depende de quanto é esse cheque. Hoje o movimento foi fraco.

– Mixaria. Coisa de mil cruzeiros.

– Mil cruzeiros? Numa boa.

– Só tem uma coisa, Bondinho.

– Sim?

– É que deixei o talão de cheque em casa…

– Sim…

– …então você me arruma os mil cruzeiros hoje, que amanhã eu te dou a folha do cheque preenchida direitinho!

César Bond fechou o Bond Bar, Bond Ler alguns meses depois, sem chegar a concluir o livro que estava escrevendo: Mestres da pindura.

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O Brasileirinho foi um bar que marcou época no fim de noite de Curitiba, também no começo dos anos 1980. Tinha boa comida da culinária nativa, muitas garotas e a direção geral da polaca Soninha. Entre outros menestréis, Lápis sempre ali mostrava o seu valor. Titular da casa, diariamente podia-se ouvir o violão de Olderico. Quem era Olderico? Era um gaúcho com mais de 30 anos de noite, muitos amores, amigo de copo de Lupicínio Rodrigues.

Era um fim de noite, Olderico no banquinho e no violão levando alguma coisa de João Gilberto, quando adentra aquele tradicional retardatário. Com meia garrafa de uísque acima do pescoço.

– Olderico, pára com esse nhenhenhén e canta aquela!

Aquela é a canção genérica mais pedida em fim de noite. Olderico sabia todas: começou com Roberto Carlos, Amada amante, deu uma Cavalgada, chegou no Café da manhã.

E o solitário do fim de noite ali: embevecido de um lado, embebecido de outro.

– Bonito, Olderico! Agora toca aquela outra! Garçom, mais uma garrafa de uísque!

Depois de tantas “aquelas” canções do repertório de fim de noite, o retardatário não se agüentou nas calças:

– Vou te confessar uma coisa. Até hoje só tinha dois amigos na vida. A partir dessa noite, tenho três: Old Parr, Old Eigth e agora você… Old Erico!