Nos séculos XIX e XX, Curitiba penou com as pestes. De 1885 até 1891, foram mais de vinte epidemias: coqueluche, disenteria, dengue, varíola, escarlatina etc. A gripe espanhola chegou em novembro de 1918. No dia em que não matou, um jornal deu a manchete: “Hoje não morreu ninguém”. O escritor Valêncio Xavier escreveu inventivo livro sobre o tema, “O mez da grippe”.

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Na virada para o século XXI, o maior flagelo de Curitiba é a peste do automóvel. Uma das panacéias que os feiticeiros locais trouxeram de outras paragens bem mais infectadas foi o rodízio de veículos, remédio que nunca faria efeito em Curitiba. Cá entre nós, o único corajoso a defender o rodízio foi o jornalista Francisco (Pancho) Camargo: “Tem tanto cachorro nessa cidade que vai ter que fazer rodízio. Eles circularão de dia e as pessoas, à noite…”.

O que poucos só tinham coragem de murmurar, agora já se discute em voz alta: Curitiba precisa ou não precisa do rodízio de veículos? Sem levar em conta São Paulo – onde Deus criou Rita Lee e o diabo se encarregou dos viadutos -, exemplo a se levar a sério é o pedágio na área central de Londres, que trouxe resultados efetivos: milhares de veículos fora de circulação e o aumento significativo dos usuários das magrelas.

Antes da Arena da Baixada, os moradores da Água Verde tinham como principal diversão lavar o carro na calçada, aos sábados. Agora, com um carro para cada duas pessoas, a família “hidroesmeraldina” se diverte também aos domingos. Apesar da angustiante falta de garagens. Diz-se que o curitibano dos contos de Dalton Trevisan empilha os quatro filhos nos beliches de um pequeno quarto, mas não abre mão de uma garagem ampla e vistosa ao lado da casa da sogra.

Como bônus de tantas viagens internacionais, Jaime Lerner guarda mais de uma centena de caderninhos com ideias e frases que ainda vão lhe render um livro de autoajuda urbana. Num deles, compara o carro com uma sogra: “Você tem que conviver com ele, mas ele não pode mandar na sua vida. E se sua sogra é a única mulher da sua vida, você está com algum problema”.

Para o Dia Mundial Sem Carro, Jaime Lerner tem uma frase na contramão da Avenida Paulista: “O carro é o cigarro do futuro”.

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Na Água Verde, a previsão de Lerner causa perplexidade: “Sem carro, o que vou fazer com a minha garagem?” – pergunta o dono de uma das poucas casas com jardim que ainda resistem. “Sem os carros, o que vamos fazer com a garagem vazia do nosso prédio? Um salão de baile?” – acrescenta o vizinho do prédio ao lado, enquanto a sogra dos dois acalma os ânimos: “Antes tarde do que nunca, pelo menos no Centro Cívico o futuro do metrô já está traçado: o buraco começa no Tribunal de Contas, passa pelo Palácio Iguaçu e termina na Prefeitura. E adivinhem quem vai pagar a conta?”.