Saudades do Bigorrilho

?Arranquem um pedaço do meu coração, mas deixem meu Bigorrilho em paz?, escreveu o estudante de jornalismo Francisco Marés, depois de ver a sede da Sociedade Juventus rasgada ao meio para receber o leito de uma nova rua. Francisco Marés tem 20 anos. Não escreve com o ranço de quem rumina o passado. Ele tem ?saudades do futuro? – para usar a expressão do escritor Manoel Carlos Karam. Ontem, fui ver com meus próprios olhos a veia aberta no coração do Bigorrilho e faço das palavras de Francisco um relato de várias gerações.

Não deixou de ser um choque ver o Juventus destruído. Era bem verdade que, há muito tempo, o clube já estava em franca decadência. A última vez que lá fui, para gravar algumas cenas do meu filme, no final do ano passado, vi que ele estava em ruínas. Tudo estava abandonado. O campo onde eu jogava bola virou um mero matagal – o que, no fim das contas, foi bom para o enquadramento da cena. A piscina estava detonada. As quadras de tênis já pereciam. Depois do incêndio, tudo o que faltava era alguém dizer ?pronto, acabou a brincadeira, fecha isso aí?.

Ainda assim, foi chocante. Foi como ver um parente, moribundo há anos, morrer enquanto você estava viajando, ou algo do tipo. Passei lá na frente por acaso. Como não tinha lugar para estacionar na frente do Hospital da Cruz Vermelha, segui algumas quadras para cima e deixei meu carro na quadra de trás. Na saída, decidi pegar a Euclides da Cunha. Algo me dizia para não virar direto na Bruno Filgueira. Quando passei pelo clube, tinham derrubado a entrada e o muro no lado oposto. No lugar onde era o estacionamento, a piscina e aquele escritório pequeno, estavam as fundações da nova rua, que ligará a General Aristides com a sua continuação no Batel.

Freqüentava bastante aquele clube quando era criança. Gostava de nadar na piscina. Cheguei a fazer escolinha de futebol no clube – como eu era de 86, jogava com os piás de 84 e 85, e eles nunca me passavam a bola! – e adorava as churrasqueiras. Lugar ótimo para celebrar aniversários e coisas do tipo.

Outra memória de infância que, possivelmente, vai ser destruída é a antiga casa da minha avó. Ela foi vendida recentemente, ninguém morava mais lá. Não sei quem comprou; espero, de coração, que seja uma família ou solteirão excêntrico que deseje morar em uma bela casa de bairro. E não uma imobiliária ou construtora querendo fazer mais um túmulo vertical no Bigorrilho. Já temos mais do que o suficiente. Mesmo assim, é possível que a família, ou o solteirão excêntrico, mude de idéia, quando descobrir que por lá passará a mais nova via-rápida de Curitiba. Fiquei chateado quando venderam a casa. Era uma casa bonita, poucas casas em Curitiba eram tão bonitas. E, questões estéticas à parte, desde que ela foi desocupada, ela sempre foi uma espécie de patrimônio histórico pessoal. Já me chateia o fato de eu não poder entrar mais lá. Agora, se resolverem construir um prédio, sou capaz de me amarrar naquela araucária e dizer: ?Só por cima do meu cadáver!?. E não duvido muito que eles acabem fazendo um prédio por cima do meu cadáver.

O fato é que o novo binário do Beto Richa vai mudar o Bigorrilho. Talvez seja para o bem. Talvez seja um mal necessário. Eu, sinceramente, ainda não entendi sua função. Não vejo muitos motivos para se ligar o Batel ao Bigorrilho; a Euclides da Cunha dá conta do recado. O trânsito entre os dois bairros é relativamente pequeno. Há quem diga que a idéia é favorecer um certo grupo econômico que gostaria de fazer um shopping na região. Isso seria triste, muito triste.

Eu não entendo nada de urbanismo. Ou melhor, até entendo um pouco, mas não é minha área. Talvez seja, de fato, uma coisa boa para o bairro e para a cidade. Mas, na verdade, eu queria deixar tudo do jeito que estava. Mesmo morando em outro bairro e vivendo outra vida. (Francisco Marés)

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna