“Yurodivy” é uma forma peculiarmente russa de se referir a um tolo que faz questão de não se levar a sério. É um santo homem que não existe em nenhuma outra cultura religiosa. São os tolos santos.

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Na Rússia dos tzares os tolos santos desafiavam as convenções sociais para zombar da falsidade do mundo temporal, sem medo de dizer a verdade para todas as classes sociais, incluindo principalmente os governantes. Conforme a biografia do escritor Liev Nikoláievitch Tolstoi, cujo ideal de vida era se tornar um “yurodivy”, os tolos santos desprezavam todo tipo de conforto material, vestiam trapos e levavam vidas de pobres errantes, aceitando voluntariamente humilhações e insultos de forma a obter maior humildade e mansidão. Uma vez que viviam em meio às pessoas – portanto, aos olhos do público, ao contrário dos ermitões que se recolhiam a monastérios -, os tolos santos se esforçavam para que sua devoção não lhes granjeasse respeito. Bem ao contrário, recebiam de bom grado as críticas e reprovação geral. Para um tolo santo, mostrar-se uma pessoa pior do que realmente era não passava de um ato deliberado.

Tolstoi dizia que o caminho para a bondade era ser um tolo santo involuntário. Convicto que deste mundo nada se leva, especialmente de tudo que se leva a sério, o escritor partilhou entre os filhos todos os bens materiais, abdicou dos direitos autorais de sua imensa obra e, nos seus últimos dias de vida, registrou em seu diário que jamais tinha encontrado na vida outra pessoa como ele, com tantos vícios: sensualidade, egoísmo, inveja, rancor e, acima de tudo, narcisismo.

Sendo este modesto espaço um reduto dedicado às tolices de modo geral, com esse exemplo não se pretende pleitear alguma forma de santidade. Muito menos desprezar os confortos materiais ao alcance do crédito consignado. É só para lembrar que não custa desconfiar de quem muito se leva a sério. Estúpidos não faltam. Néscios também não. Estamos ficando é cada vez mais carentes de santas tolices.

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