“Sandália” Marinho

A Saldanha Marinho tem no próprio nome uma antiga vocação, ser uma rua de pedestres: na intimidade curitibana, ela tem o apelido carinhoso e bem apropriado de “Sandália” Marinho. Assim como outras ruas da cidade eram conhecidas pelos imigrantes eslavos, com a normal dificuldade na pronúncia de um novo e traiçoeiro idioma.

A rua Carneiro Lobo, por exemplo, era “rua bicho bom bicho ruim”; da rua Baltazar Carrasco dos Reis dizia-se “Baltazar Churrasco dos Reis”; a rua Padre Agostinho é “padre gostosinho”; a Travessa Júlio de Campos, o popular Beco do Mijo nos fundos da Catedral Metropolitana, era conhecida também como a “travessa do mijo do padre”; e o município de Tomás Coelho tinha o nome de “TomascoVelho”.

O poeta Paulo Leminski, nas suas andanças entre o Bar do Alemão e o Bar Kapelle, fazia questão da pronúncia polaca: “Sandália” Marinho. Talvez com isso querendo insinuar que aquela era uma rua para o pedestre gastar a sandália, dedicada ao sagrado direito do cidadão andar com os próprios pés, apesar de suas terríveis calçadas. As piores e mais perigosas calçadas de Curitiba. Que o digam os comerciantes da rua que, a exemplo da atenção que prefeitura deu à Riachuelo, também querem tirar a Saldanha Marinho do inferno em que se transformou. Com a falta de iluminação, a falta de segurança transformou o local num corredor do crack, prejudicando moradores e comerciantes também durante o dia.

A “Sandália” Marinho já recebeu um pouco mais de atenção, coitada. No Setor Histórico, onde a “Sandália Marinho” nasce, um pequeno trecho foi dedicado aos pedestres. Depois disso, ao anoitecer ela se transforma na trincheira dos meliantes, paralela à Cruz Machado, atravessando a Rua Fernando “dos Chorões” Moreira, e, célere, alcançando a belíssima Praça Espanha, desaguando na chique região do Batel, com todos os seus encantos gastronômicos e seu comércio sofisticado.

Do Largo da Ordem, largando da Catedral Metropolitana, uma caminhada pela Saldanha Marinho, ao encontro da Praça Espanha, seria uma alternativa turística à congestionada Rua das Flores. Senhores poetas, engenheiros, advogados, vereadores, boêmios, urbanistas, prefeito Gustavo Fruet, pela milésima vez imploramos aqui na coluna: vamos nos dar as mãos e rezar pela “Sandália” Marinho. Nada temos a perder, senão as calçadas assassinas e um bando de cheiradores de crack atravancando os passos do cidadão.