Com mais de 40 carnavais em Curitiba, estou chegando à conclusão que o Rei Momo só tem três saídas para sobreviver em meio a tantas contrariedades: ou muda de cidade, ou muda de povo ou muda de polícia.
Mais factível – como dizem os políticos – seria trocar de polícia. Quando inventamos a Banda Polaca, no tempo da ditadura, a Polícia Militar não era chamada nem para escoltar a Rainha do Carnaval e as princesas. No máximo, o que se notava eram os oficiais superiores, de capitão para cima, disputando uma “boquinha” no júri da Bem Bolada ou no Baile dos Enxutos.

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Bons tempos aqueles! – dirão os foliões de hoje, curtindo na pele a filosofia do delegado Francischini. Nem tanto, pois naqueles idos quem se encarregava da “lei e ordem” era a Polícia Federal. Como se qualquer nota dissonante no Carnaval fosse uma ameaça à segurança nacional. Hoje, no seu verdadeiro papel, graças a Deus e à democracia, a Polícia Federal está nas ruas para botar na cadeia os bacanas dos camarotes.

Em 1976, na primeira vez em que a Banda Polaca saiu do Passeio Público em direção ao Largo da Ordem, passando pela Boca Maldita, tive a súbita honra de ser o porta-estandarte do bloco. Lá pelas tantas da Rua das Flores, dois camaradas me abordaram para oferecer alguns aditivos:

– Cartunista, vai um papelote? – disse um.

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– Aceita um bagulho, cartunista? – disse o outro.

Como não aceitei nem uma coisa nem outra, logo em seguida um conhecido da Polícia Civil veio me alertar:
– Se cuidem, a Polícia Federal está tentando armar um flagrante para vocês. Estão oferecendo drogas para provar que isso aqui é um amontoado de maconheiros.

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No ano seguinte a Polícia Federal novamente tentou brecar a saída da Banda Polaca. Ainda no Passeio Público, meia dúzia de agentes exigiu passar em revista as garotas que sairiam em “trajes menores” em cima dos carros, com objetivo de proibir qualquer atentado ao pudor e aos bons costumes. Na vistoria, duas delas foram enquadradas:

– Esta não pode desfilar! – ordenou um agente – Estão aparecendo os pelos pubianos no biquíni!

– Os pentelhos?

– Positivo!

– E se cortar ou raspar?

– O problema é de vocês!

De fato, o problema foi nosso: ao refazer a “maquiagem”, uma delas acabou ferida e foi parar no hospital.
Mudar de cidade não é tão fácil. Um pouco difícil, mas não impossível, se alguém levar a sério a minha antiga proposta de transferir o Carnaval de Curitiba para Antonina. Mudar de povo é que são elas, considerando-se que muitos prefeitos já tentaram, em vão, fazer de cada curitibano um cidadão sueco.

Mesmo assim, sendo considerada uma cidade de primeiro mundo, muitas das críticas aos incidentes ocorridos no último fim de semana (quando a Polícia Militar mostrou o seu valor ao delegado Francischini), dizem que Curitiba não foi feita para grandes eventos, como escreveu o jornalista Cristiano Castilho, na Gazeta do Povo: “Uma história está se tornando perigosamente banal porque começamos a nos acostumar com ela: evento público em Curitiba termina em confronto entre população e Polícia Militar”.

Nos tempos da Banda Polaca, os brasileiros não estavam preparados para a democracia – diziam os generais. Nos tempos de Garibaldis e Sacis, o povo de Curitiba não está preparado para ser feliz.