Sal da Terra

Lula fez ontem a primeira coleta de óleo mineral debaixo da camada de sal. É o petróleo do pré-sal, em termos geológicos. Em termos históricos, o certo seria chamar o petróleo de pós-sal. Se hoje o óleo negro move o mundo, até o século XX quem tinha uma mina de sal tinha mais que um poço de petróleo: tinha o poder da vida e da morte.

Quando a sonda da Petrobras atingiu seu objetivo no mar do Espírito Santo, os técnicos do navio-plataforma P-34 nem mesmo tiraram o capacete em homenagem àquela camada descartável de sal, com apenas 200 metros. Ao fazer a primeira coleta no campo Jubarte, na Bacia de Campos, com a mão preta do óleo Lula não deve ter considerado, naquele momento solene, que o sal foi a primeira mercadoria a ser comercializada internacionalmente; sua produção foi uma das primeiras indústrias e, como não podia deixar de ser, o primeiro monopólio estatal.

Se Getúlio Vargas tivesse descoberto o Brasil e Pero Vaz de Caminha se chamasse Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 26 de abril não seria celebrada a primeira missa no Brasil: seria fundada a SalBras. “Nesta terra, em se cavando tudo dá”, escreveria Lula, acrescentando ainda que os lusitanos, portanto, agora poderiam salgar o bacalhau sem medidas de economia, à vontade. Em resposta, a Coroa ordenaria queimar todas as floresta de pau-brasil e, daí em diante, os navegantes se ocupariam apenas da SalBras, criando com ela um sem número de cargos em comissão para os nepotes de Lisboa.

O sal se confunde com a história do mundo. Assim como hoje fazem com o petróleo, os homens se lançavam com desespero em busca do sal, que também era objeto de guerras. Durante milênios, o sal foi sinônimo de riqueza. Os governos chinês, romano, francês e veneziano, entre vários outros, cobravam tributos sobre ele para arrecadar dinheiro para as guerras. Os soldados recebiam sua paga em sal, o salário, e não raro era usado como dinheiro.

Em 1901, quando uma mina de sal foi perfurada no Texas e revelou uma imensa reserva de óleo, começou a Era do Petróleo. A gasolina move os carros, estradas para os carros foram cobertas com o asfalto vindo do petróleo e os primeiros caminhos na floresta foram abertos em busca do sal. No magnífico livro Sal, uma história do mundo, o autor Mark Kurlanski conta: “Ao examinar o mapa rodoviário de quase todos os lugares da América do Norte, observando o esquisito desenho ageométrico das estradas secundárias, as estradas locais, poderíamos supor, com razoável acerto, que as cidades foram instaladas e interligadas ao acaso, sem nenhum esquema ou projeto. Isso porque as estradas não passam de trilhas e pistas alargadas, estas últimas deixadas por animais em busca do sal”.

Assim como Salzburg, na Áustria, grandes cidades européias surgiram ao longo dos caminhos abertos em busca do sal. Diz a lenda que Rômulo e Remo criaram Roma, depois de mamar nas tetas da loba. A verdadeira história é outra: A cidade de Marcelo Mastroiani ficou eterna depois que acharam uma mina de sal no sopé de uma das suas sete colinas.

******

O sal também está entre a vida e a morte. Mesmo assim quase todos o desprezam, especialmente os médicos que cuidam da nossa pressão alta. O escritor e jornalista Joel Silveira, meses antes de morrer aos 88 anos, recebeu a visita do cartunista Ziraldo para o almoço. Proibido do sal, Joel Silveira olhava a rala sopa à sua frente, sem sal algum, e dizia com a língua pedinte, o olhar vazando uma lágrima:

– Não sinto falta do beijo de uma mulher, nem do sabor de uma… fêmea! (aqui a palavra é impublicável). Ziraldo, sinto falta do sal! Sal, Ziraldo, sal!

***

O pão e o sal, a bênção e sua preservação, com freqüência estão associados. Para os polacos, a boa fortuna é distribuída na repartição de um pão com um punhado de sal sobre a casca. Cada convidado retira um naco e o passa no sal para preservar a felicidade.

Antes de botar a mão no pré-sal, o presidente Lula deveria ter comemorado os bilhões de barris à maneira polaca, para que o sal da Terra proteja nossa fortuna das garras da corrupção.