Conta Carlos Heitor Cony que no último dia de governo Juscelino Kubitschek contemplava em silêncio a cidade que inaugurara havia pouco, quando um amigo perguntou-lhe o que ele agora esperava da vida. Sem tirar os olhos da cidade, que tanto trabalho lhe custara, ele respondeu: “O tédio”.
Entediado com o caso dos passaportes diplomáticos concedidos aos seus dois filhos, o ex-presidente Lula chamou seu motorista particular e ordenou:
– Não quero seguranças e vamos sair de fininho aqui da Praia do Forte. Desejo dar um bordejo de carro para espairecer. Despista e toca para qualquer lugar, longe deste insensato mundo.
O motorista disparou pelo litoral levantando poeira. A Hilux preta embicou no sentido norte e, ao pegarem o asfalto, Lula mandou parar. Deu a volta no veículo e ordenou:
– Vamos trocar de lugar. Você senta aí atrás e vou pro teu lugar, companheiro. Quero dirigir um pouco. Desde quando eu era metalúrgico, nunca mais me deixaram pegar na boleia. E agora que sou ex-presidente, quem está no volante é a Dilma.
Relutante, mas acostumado a cumprir ordens, o motorista sentou-se na poltrona de couro traseira, feito uma autoridade de primeiríssimo escalão, protegido pelos vidros escuros da camioneta Toyota. Antes de dar a partida, Lula ainda pediu ao espantado funcionário público:
– Companheiro, me passa o teu boné de motorista que é pra ninguém me reconhecer.
De óculos escuros, Lula engatou uma primeira. A Hilux deu uns solavancos e morreu. Repetiu a marcha, outro solavanco. Acelerou, mais outro solavanco. Engatou a primeira e o motorista lá atrás, de olhos esbugalhados e com a mão no Santo Antônio. Quando Lula conseguiu engatar a quinta, a viatura já estava numa rodovia federal. E o chofer lá atrás, aboletado no conforto presidencial, com a mão no Santo Antônio e orando por São Cristóvão, o padroeiro dos motoristas. Pelas janelas de vidro de segurança máxima, o funcionário sentiu que a velocidade avançava na infração, pra lá de 150 por hora, e ouviu a sirene da Polícia Rodoviária Federal em sua traseira.
Lula piscou para a direita, diminuiu a marcha, foi para o acostamento e permaneceu firme no volante. Os policiais fizeram os procedimentos de rotina e se aproximaram do carrão. Lula baixou o vidro escuro, um dos policiais examinou-o demoradamente e se afastou. Não pediu documentos, não fez uma pergunta e se retirou para a viatura policial. Confabulou com o companheiro e tomou o rádio:
– Alô, central… Carcará Um falando. Câmbio!
– Positivo, Carcará Um: câmbio! – respondeu a central da Polícia Rodoviária Federal.
– Acabei de abordar uma viatura Hilux preta. Apesar do vidro fumê escuro, e se não estou enganado, o ilustre passageiro é uma altíssima autoridade da República. Aguardo instruções, câmbio!
– Quem é a altíssima autoridade, Carcará Um? É o Pedro Novais? O ministro de Turismo de 80 anos que devolveu o dinheiro do motel? Só ele pra fazer essas lambanças…
– Negativo, comando! É muito mais poderoso! Câmbio!
– Então é o Paulo Bernardo? Câmbio!
– Negativo, comando! É muito mais graúdo! Câmbio!
– Se é mais graúdo que o marido daquela galega do Paraná, então é Michel Temer? Câmbio!
– Chefia, o homem no banco de trás deve ter muito cacife… câmbio!
– Carcará Um, me responda: o infrator é o Antônio Palocci? Câmbio.
– Negativo. O peixe é dos mais graúdos, deve ser o mandachuva! Câmbio!
– Se é o mandachuva, então é o próprio Lula ? Câmbio!
– Negativo! O Lula é apenas o motorista. O ilustre passageiro parece ser muito mais poderoso… Câmbio!
– Cai fora, Carcará Um! Faz de conta que não viu nada e sai de fininho!
– Positivo, chefia! Câmbio e desligo.