Do caderninho de ideias do arquiteto Jaime Lerner, a Rua 24 Horas se transformou numa rua sem saída. Um beco escuro de futuro incerto. A primeira rua do mundo a funcionar dia e noite hoje está praticamente fechada. Procura uma vocação. O que fazer com essa rua atravessada na cabeça da cidade?

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Três anos antes de a Rua 24 Horas nascer, quem contou com exclusividade o que Curitiba iria ganhar foi o jornalista Aramis Millarch: “A ideia é simples: criar condições para que se forme uma (ou mesmo mais) rua (s) que, em determinados quarteirões se estabeleçam atividades que a façam funcionar ininterruptamente, através de serviços, lazer, restaurantes, farmácias, ponto de vendas de revistas, jornais, cigarros, etc. Enfim, aquele espaço em que, com certeza, se encontre após meia-noite o que se precisa. Da comida à aplicação de uma injeção”.

Quando ganhou vida, no dia 11 de setembro de 1991, a Rua 24 Horas não só foi só festejada pela população notívaga. Ganhou páginas na imprensa nacional e o belo relógio frontal foi parar nos cartões postais, somando-se a outros ícones dos “Anos Lerner” que elevaram a autoestima dos curitibanos.

A Rua 24 Horas era mais uma das ideias que saíam do “Caderninho de Pandora” de Lerner, sem data nem local para acontecer. Isso fica bem claro na notícia de Aramis Millarch: “A implantação de uma Rua 24 Horas é, por enquanto, um projeto na cabeça do prefeito Jaime Lerner. Estuda-se qual o melhor local para que através de estímulos diversos, sejam animados os pequenos empresários a ocuparem um espaço que, em pouco tempo, poderá ter grande movimentação”.

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23 anos depois, a ideia do caderninho parece voltar à estaca zero. A rua continua sem saída. À deriva, à procura de um destino. Feita para atender a demanda noturna, que na época não tinha onde se socorrer, a Rua 24 Horas perdeu freguesia depois que a cidade ganhou outros serviços 24 horas. Do supermercado aos centros gastronômicos noturnos. Não que o espírito da rua tenha caducado. A cidade ganhou outros pontos de encontro, a insegurança tomou conta da noite e assim a Rua 24 Horas tornou-se um cartão postal de saudosa memória para colecionadores.

É preciso considerar, ainda, que o shopping cravou um punhal nas costas da Rua 24 Horas, como de resto pisou em cima do comércio tradicional de rua. As galerias do centro (futuro provável da Rua 24 Horas) foram os nossos pioneiros shoppings: na Galeria Lustoza eram vizinhos a Confeitaria Schaffer, um Piano Bar e o Cine Groff. A galeria do Edifício Asa abriga lanchonete, salão de beleza e, de priscas eras, a loja”A Princesa” ao lado do escritório da extinta PanAm. Na Galeria Tijucas encontramos ainda firme a Eletrolândia, o Café da Boca e saudades da loja de botões Gabi. A lista é de bom tamanho, passando pela Galeria do Comércio Osório até a Galeria Suissa.

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Sentimos falta da banca de revistas e livros da Rua 24 Horas. Que não foi a primeira, é bom lembrar: quando a população não chegava a um milhão de habitantes, já existia uma banca de jornais e revistas 24 horas em Curitiba. Funcionava na galeria de acesso do Palácio Avenida, com entrada na Travessa Oliveira Belo. Era a chamada “Banca do Guimarães”que nas frias madrugadas dos anos 1960 consolava jornalistas, artistas, intelectuais de plantão e outros integrantes da fauna boêmia.

Beco da inépcia, a Rua 24 Horas clama por novas ideias, novas funções. Cafés e livrarias de Buenos Aires precisamos aqui, farmácias e churrascarias temos de sobra.