Rua sem sa

Do caderninho de idéias do arquiteto Jaime Lerner, a Rua 24 Horas se transformou numa rua sem saída. Um beco escuro de futuro incerto. A primeira rua do mundo a funcionar dia e noite hoje está fechada. Procura uma vocação. O que fazer com essa rua atravessada na cabeça dos nossos urbanistas? 

Três anos antes da Rua 24 Horas nascer, quem contou com exclusividade o que Curitiba iria ganhar foi o jornalista Aramis Millarch: “A idéia é simples: criar condições para que se forme uma (ou mesmo mais) rua (s) que, em determinados quarteirões se estabeleçam atividades que a façam funcionar ininterruptamente, através de serviços, lazer, restaurantes, farmácias, ponto de vendas de revistas, jornais, cigarros, etc. Enfim, aquele espaço em que, com certeza, se encontre após meia noite o que se precisa. Da comida à aplicação de uma injeção”.

Quando ganhou vida, no dia 11 de setembro de 1991, a Rua 24 Horas não só foi festejada pela população notívaga. Ganhou páginas na imprensa nacional e o belo relógio frontal foi parar nos cartões postais, somando-se a outros ícones dos “Anos Lerner” que elevaram a auto-estima dos curitibanos.

A Rua 24 Horas era mais uma das idéias que saíam do caderninho de Lerner, sem data nem local para acontecer. Isso fica bem claro na notícia de Aramis Millarch: “A implantação de uma Rua 24 Horas é, por enquanto, um projeto na cabeça do prefeito Jaime Lerner. Estuda-se qual o melhor local para que através de estímulos diversos, sejam animados os pequenos empresários a ocuparem um espaço que, em pouco tempo, poderá ter grande movimentação”.

******

18 anos depois, a idéia que saiu do caderninho voltou à estaca zero. No próximo dia 7 de outubro, e pela segunda vez, serão abertos os envelopes do novo edital de licitação para reforma e exploração comercial daquele cartão postal. Antes restritivas, por falta de interessados as concessões agora serão mais generosas e o comércio no local será livre. Apenas uma praça de alimentação será obrigatória. O resto ainda é um mistério. Ou seja, a rua está sem saída. À procura de um destino.

A atual falta de vocação da Rua 24 horas tem explicação, me parece. Feita para atender a demanda noturna, que na época não existia, a Rua 24 Horas perdeu freguesia depois que a cidade ganhou outros serviços 24 horas. Do supermercado aos centros gastronômicos noturnos, como é o caso do Babilônia, no Batel, que respira luxo 24 horas.

Não que a idéia do caderninho de Jaime Lerner tenha caducado. A cidade ganhou outros pontos de encontros, a insegurança tomou conta da noite e assim a Rua 24 Horas tornou-se um cartão postal de saudosa memória para colecionadores.

É preciso considerar, ainda, que o shopping cravou um punhal no peito da Rua 24 Horas, como de resto pisou em cima do comércio tradicional de rua. As galerias do centro (futuro provável da Rua 24 Horas) foram os nossos pioneiros shoppings: na Galeria Lustoza eram vizinhos a Confeitaria Schaffer, um Piano Bar e o Cine Groff. A galeria do Edifício Asa abriga lanchonete, salão de beleza e, de priscas eras, a loja “A Princesa” ao lado do escritório da extinta PanAm. Na Galeria Tijucas encontramos ainda firme a Eletrolândia, o Café da Boca, e saudades da loja de botões Gabi. A lista é de bom tamanho, passando pela Galeria do Comércio Osório até a Galeria Suissa.

*****

Sentimos falta da banca de revistas e livros da Rua 24 Horas. Que não foi a primeira, é bom lembrar: quando a população não chegava a um milhão de habitantes, já existia uma banca de jornais e revistas 24 horas em Curitiba. Funcionava na galeria de acesso do Palácio Avenida, com entrada na Travessa Oliveira Belo. Era a chamada “Banca do Guimarães” que nas frias madrugadas dos anos 60 consolava jornalistas, artistas, intelectuais de plantão e outros integrantes da fauna boêmia.

Bem a propósito (e se me permitem consultar o caderninho de Jaime Lerner), a Prefeitura deveria induzir a Rua 24 Horas ao comércio de livros e produtos culturais, reunindo sebos, artesanato, floricultura, internet, locadoras de vídeo, galerias de arte e cafés.

Buenos Aires pode ser aqui, porque churrascarias temos de sobra.