Se a história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo – conforme dizia Napoleão – e tudo pode ser verdade, ofício dos mais criativos é o de guia turístico.

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Como ouvinte aqui na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), ainda me resta um tempinho para pintar aquarelas entre o casario colonial, por onde agora circulam escritores dos quatro cantos do mundo, tendo como guias turísticos os próprios charreteiros.

Sobre pedras “pés-de-moleque” dos caminhos mais apropriados para equilibristas, os charreteiros passam por 18 pontos do centro histórico, contando diversas versões da origem dessa cidade que foi o mais importante porto exportador de ouro do Brasil. Ao todo são doze charretes, sendo que os nomes dos cavalos são uma atração à parte: Cacique, Comodoro, Babalu, Faísca e o mais criativo dos charreteiros tem um cavalo chamado Goiaba: “Por favor, me leve até a Rua do Fogo!”.

Pocotó-pocotó e lá vai o Goiaba em direção à Igreja de Santa Rita, donde desemboca a Rua do Fogo. “Sabe por que essa rua se chama Rua do Fogo?” – pergunta e responde o patrão do Goiaba. “É que aqui morava uma mulher da vida que vivia de fogo. E assim foi, de tanta bebedeira, ficou Rua do Fogo”.

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No dia seguinte, o Goiaba passa novamente pela Rua do Fogo: “Se chama Rua do Fogo porque no tempo do Império ela pegava fogo uma vez por ano. Como ninguém sabia a causa de tanto incêndio numa mesma rua, assim ficou desde sempre”.

São muitas as versões do charreteiro para a Rua do Fogo. Para não cair na monotonia, varia conforme a cara do turista. Na mais longa das versões, ele conta que o nome da rua vem do fogo-fátuo, chamas azuladas que deram origem a um dos primeiros mitos indígenas: o boitatá, a enorme serpente de fogo que destrói as florestas. O fogo-fátuo chegou a ser descrito, ainda em 1560, pelo jesuíta português José de Anchieta: “Junto do mar e dos rios, não se vê outra coisa senão o boitatá, o facho cintilante de fogo que rapidamente acomete os índios e mata-os”.

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“É só nessa rua que aparece o fogo-fátuo!” – se despede o condutor do Goiaba: “Tá vendo a segunda casa antes da esquina? Pois foi lá que nasceu o boitatá!”.