Rosas, para seu governo (1)

Coube ao escritor Alexandre Dumas escrever, não o maior, o mais saboroso livro sobre Giuseppe Garibaldi, o Herói dos Dois Mundos: “Memórias de Garibaldi”. Ao terminar o relato de Dumas referente ao ditador argentino Rosas, concluí que conhecemos o tipo. Ontem e hoje, são todos parecidos, com o ego do mesmo tamanho.

Diz-se que a ditadura é uma forma autoritária de democracia em que o que não é obrigatório é proibido; e quando apearam Getúlio Vargas do poder, em 1945, o baixinho foi satirizado com a paródia do samba “Nervos de Aço”, de Lupicínio Rodrigues.

Você sabe o que é ser ditador / Meu senhor / Quinze anos detendo o poder / E depois de um golpe traidor, meu senhor / Pôr o belo prazer a perder

Todo ditador é um ator histriônico indeciso entre a tragédia e a comédia. Juan Manuel José Domingo Ortiz de Rozas y López de Osornio (Buenos Aires, 1793 -Southampton, Inglaterra, 1877) era um bufão que fazia da comédia uma tragédia.

O general Rosas começou como peão de estância, depois tornou-de capataz, até chegar a “mayordomo”, título que se explica em si mesmo. Com esta função geria os bens da poderosa família argentina Anchorena. E é de então que data a sua fortuna como proprietário. Ou seja, começou e terminou como um usurpador.

Quando Garibaldi defendeu o Uruguai da Argentina , por volta de 1833, Rosas tinha trinta e nove anos, o aspecto europeu, os cabelos louros, pele branca, muito bonito e de olhos azuis. Nada de barba, nem de bigode, nem de cavanhaque. Não encarava os amigos, muito menos os inimigos, olho no olho era um covarde, conta Alexandre Dumas: “A sua reputação de covarde era proverbial; sua fama de velhaco universal. Rosas adorava as mistificações: era a sua grande ocupação antes de empregar-se aos assuntos sérios do governo. Uma vez no poder, elas servirão a distraí-lo”.

O “mayordomo” começou sua caminhada ao poder absoluto vagueando pelos pampas fantasiado de gaúcho (“Chegou o gaúcho travestido”, murmuravam) e fazendo-se companheiro de privações dos pobres, fomentando os preconceitos, instigando o campesino contra o citadino. O seu primeiro governo, todo ele marcado pelas dissimulações, ainda não trouxera à luz os seus instintos de crueldade que dali em diante fariam a sua celebridade sanguinária. Celebridade, esta sua principal ambição. “Mas que celebridade poderia aspirar”, pergunta Alexandre Dumas, “Que renome poderia obter? Ele, que não possuía nem a coragem do campo de batalha?”. Face a face corria dos adversários, mas alcançou a celebridade sanguinária traindo e decapitando todos os seus amigos.

Com Buenos Aires aos seus pés, o comediante mostrou a sua cara: se encontrava sempre cercado de dementes e de palhaços e, mesmo envolvido em negócios da maior gravidade, Rosas conservava esse círculo singular. Suas distrações eram brutais como sua natureza, a palhaçada aliava-se maravilhosamente à brutalidade.

Exemplo foi a noite em que ofereceu um jantar a um amigo. Rosas escondeu o vinho destinado à ocasião, deixando sobre o aparador apenas uma garrafa de um popular purgante chamado Lerroy. O amigo pediu vinho e o “mayordomo” abriu a garrafa: “Quanto ao seu conteúdo, achando o gosto razoavelmente agradável, ele a esvaziou enquanto comia. Rosas, afetando sobriedade, bebeu apenas água. Partiu rumo à sua estância tão logo terminado o jantar. Durante a noite, o amigo viu-se às portas da morte. Rosas divertiu-se demais com essa brincadeira. Tivesse o amigo falecido por certo teria se divertido ainda mais”.

Rosas tinha paixão por cavalos. Era sua maior diversão, depois de ver o próximo com a faca no pescoço. Ao receber algum amigo em uma de suas estâncias, fazia o convidado montar o menos domesticado dos cavalos, e o seu prazer era tanto maior quanto maior fosse a queda do cavaleiro.

Amanhã, mais “pegadinhas” de Manuel José Domingo Ortiz de Rozas y López de Osornio, nas palavras de Alexandre Dumas.