Quem desce do norte do Paraná em direção ao mar pode observar um rastro de pegadas vermelhas denunciando a corrente migratória provocada pela concentração de renda e emprego na região metropolitana de Curitiba. É a revoada dos pés vermelhos. Outro fenômeno, também preocupante, agora observado pelos ambientalistas, é a migração da Gralha- azul que desce em bandos rumo ao litoral paranaense.

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Reza a velha lenda que, numa madrugada branca de neve, a Gralha-azul aguardava o sol nascer acomodada num galho amigo onde dormira, quando ouviu a batida aguda do machado e o gemido surdo do pinheiro. Era o machadeiro golpeando a árvore para transformá-la na principal fonte econômica do Paraná, depois da erva-mate. A Gralha se alvoroçou. Desesperou-se e partiu num voo vertical, bateu asas bem além das nuvens para não ouvir mais os estertores do pinheiro amigo.

Lá nas alturas, bem além do arco-íris, escutou uma voz plena de afeto: “Nem tudo está perdido! Pelo menos as aves se compadecem com as dores alheias!”. Ainda assustada, a Gralha- azul se fez de surda e subiu mais e mais, na imensidão. A voz acompanhou o voo, e novamente se fez ouvir: “Volte para os pinheirais! Dou-lhe minhas palavras que não se perdem no vento: de hoje em diante, eu a vestirei de azul, da cor deste céu e, ao voltar ao Paraná, você vai ser minha ajudante, vai plantar os pinheirais. Ao comer o pinhão, reserve um bom bocado e nunca esqueça de enterrar alguns com a ponta para cima, já sem cabeça, para que podridão não destrua o novo pinheiro que dali irá nascer”.

As lendas não mudam à toa. Quase um século depois, estava a Gralha-azul posta em sossego num galho amigo, quando ouviu o gemido lancinante do pinheiro. Era o criminoso da motosserra a derrubar a última das araucárias num raio de 10 quilômetros. Outra igual, e mais próxima, só tinha serventia para as máquinas fotográficas digitais dos turistas.

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Sentindo o coração tombar com o tronco, a Gralha-azul numa pequena revoada foi procurar abrigo num dos milhares de pinus que se adonaram dos Campos Gerais. Ao pousar no galho estranho, ouviu do alienígena: “Fora daqui que este latifúndio tem dono!”. Azul, a plumagem ficou vermelha. Vermelha de vergonha. Sem eira nem beira, a Gralha-azul bateu asas no rumo de Curitiba, sobrevoou o pico do Marumbi, desceu a Serra da Graciosa em ponto morto e, desnorteada, juntou-se aos bandos que sobrevivem no Rio Nhundiaquara. A Gralha de arribação hoje mora de favor num belo sítio em Morretes, cujo caseiro veio de Londrina.