Reino da bicharada

Bem a propósito, trago a versão atualizada do Reino da bicharada, de Viriato Correia (1884 – 1967), escritor brasileiro pouco lembrado e com uma extensa obra à sombra de Monteiro Lobato. É a história onde era uma vez um sapo inteligente e ambicioso que queria porque queria chegar no céu. Apesar de não saber voar.

O Reino da Bicharada era muito grande, bonito e formoso, onde os bichos mais fortes e ladinos viviam no bosque e o resto chafurdava no brejo, origem do sapo petulante. Era um sapo oriundo dos pinheirais, que se fazia muito distinto entre os milhares de companheiros batráquios que infestavam aquele reino dividido entre os privilegiados dos bosques e os companheiros das terras úmidas e movediças.

Inconformado com o descalabro ambiental, o sapo barbudo liderou uma marcha em direção ao bosque. Bateu na porta do elefante exigindo sombra e água fresca para todos, da perereca ao hipopótamo. Os privilegiados moradores do bosque, alvoroçados com a rebelião, convocaram o leão para acalmar o bode. O jacaré, companheiro do sapo, desferiu uma rabada na onça, derrubando a girafa.

Muito sábia, a coruja convocou então uma convenção da bicharada. Ela percebeu que o sapo tinha muito peito e muito papo. Para o bosque continuar do jeito de sempre, alguma coisa precisaria mudar! – dizia a erudita coruja ao rinoceronte. E todos os convencionais assinaram embaixo. O sapo se candidatou a presidente com apoio de gatos e ratos. E até dos gaviões. As hienas morreram de rir.

A convenção da bicharada foi o de menos. Complicados foram os preparativos para a “festa no céu” (com o texto adaptado da fábula de Luís da Câmara Cascudo) e a questão de locomoção: como o sapo iria chegar ao céu, naquelas alturas? Quando a notícia se espalhou nos pinheirais, a fauna nativa quase faleceu de rir. Os pássaros rolaram de tanto gorjear no Twitter!

Porém, o sapo tinha os seus planos de governo, e ele não era o burro nem nada: acabar com a política imposta pelo sistema financeiro do zoológico e implantar a política de apoio à produção e ao trabalho nos brejos; contra o pedágio na Sapolândia; contra dar dinheiro público para as aves de rapina; contra a política de juros altos; abaixo a política macroeconômica neoliberal implantada pelos tucanos acostumados a lavar a égua.

Com o apoio das aves de arribação, sob os vivas de gatos e ratos, o sapo candidato a presidente meteu-se dentro da viola do urubu. Este, mal reparando que o instrumento de sete cordas tinha excesso de peso, amarrou-o a tiracolo e bateu asas para o céu…rru-rru-rru…

A festa no céu foi de arromba. Gatos e ratos se esbaldaram, como sempre. Fim de festa, o urubu agarrou a viola e tocou-se de volta para a terra… rru-rru-rru…

A viagem em céu de brigadeiro ia pelo meio do caminho, quando o sapo se mexeu, enjoado coaxou. O urubu, ladino, ao espiar dentro da viola, viu o batráquio lá no escurinho sob as cordas, todo curvado, feito uma bola. E, naquelas lonjuras, emborcou a viola. O sapo despencou-se para baixo que vinha zunindo. E dizia, na queda:

– Béu-Béu! Se desta eu escapar, nunca mais posse no céu!…

E vendo as serras lá embaixo:

– Arreda pedra, se não eu te rebento!

Bateu em cima das pedras como um abacate maduro, espapaçando-se todo. Ficou em pedaços. Nossa Senhora do Bom Socorro, com pena do sapo, juntou todos os pedaços e o sapo enviveceu de novo. Por isso o sapo teve um futuro tão triste, com o couro todo cheio de remendos.

E acabou-se a história e morreu a vitória. Entrou por uma porta e saiu pela outra, quem souber que conte outra. A aventura termina com o sapo amaldiçoando gatos e ratos, aqueles canalhas que o enfiaram na viola do urubu. E os tucanos cantando a cantiga de João de Barro:

A festança vai ser boa / Vai ter canjica e quentão / Mas só vai bicho que voa, ô / Bam, balalão, bambão, bambão / Sai daí sapo danado / Sapo velho, jururu / Sapo não vai para o céu / Na viola de urubu.