Ainda bem, a gripe do porco passou a ser reconhecida por todo o mundo como H1N1. Assim como a gripe espanhola começou nos Estados Unidos e só há pouco tempo a reputação dos hispânicos foi resgatada da enfermaria, a gripe H1N1 poderia jogar no lixo hospitalar o honroso papel que “o rei dos  animais imundos” tem na história da humanidade.

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“Rei dos animais imundos” é um elogio que Grimond de La Reynere, o primeiro jornalista gastronômico da história (1758-1837), fez ao porco, este injustiçado pela gripe N1H1: “Animal cujo império é o mais universal e as qualidades, as menos contestadas; sem ele nada de toicinho e, por conseguinte, nada de cozinha; sem ele, nada de presunto, nada de salaminho, nada de linguiça, nada de chouriços escuros e, por conseguinte, nada de charcuteria”.

Por suas opiniões em defesa da classe suína, Grimond de La Reynere seria condenado à prisão perpétua pelas atuais leis da imprensa politicamente correta e obcecada por assuntos medicinais. Escrevia o jornalista, alçando-se ao estilo lírico: “Obesos médicos, condenais o porco, mas ele é, sob o aspecto da indigestão, um dos mais belos florões de vossa coroa”. Em seguida, retornado ao estilo habitual: “Os miúdos e intestinos são muito melhores em Troynes e Lyon que em qualquer outro lugar. As coxas e pernis fizeram a fortuna de duas cidades: Mayence e Bayonne. Tudo nele é bom: por que nefasta indiferença puderam fazer de seu nome uma injúria grosseira?”.

Ao batizarem a famigerada N1H1 de gripe do porco, até parece mais uma das humilhações que os anglo-saxões impõem aos vizinhos mexicanos de origem latina, a exemplo da gripe espanhola. Grimond de La Reynere afirmava em sua época que o porco era um animal cujo império é o mais universal e suas qualidades, as menos contestadas. A afirmação é polêmica. Conforme observou o mestre de forno e fogão Alexandre Dumas, no seu Grande Dicionário de Culinária: o porco era a principal alimentação dos gauleses, que possuíam varas consideráveis. Os romanos preparavam-nos inteiros e de diferentes maneiras. Faziam também o porco “à troiana”, por alusão ao cavalo de Tróia, cujo interior estava cheio de soldados; já do porco era recheado com iguarias, vinhos e molhos delicados. Esses pratos tornaram-se tão delicados que o senado fez uma lei para proibi-los.

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Os egípcios o viam como um animal nojento. E se alguém o tocasse, mesmo sem querer, devia imediatamente se purificar no Nilo, de roupa e tudo. Reparava Alexandre Dumas: “Apenas em um único dia e em uma única circunstância era permitida a ingestão de sua carne: durante a lua cheia, quando então era imolado a Baco e a Febo”. Os egípcios sabiam o que todos sabem: os israelitas consideram a carne de porco uma carne imunda, mas todos também sabem que essa prescrição é antes higiênica do que religiosa.

Para Alexandre Dumas, “o país onde os porcos adquiriram o mais alto grau de delicadeza (provavelmente pelas frequentes oportunidades que se lhes apresentam, a crermos, equivocadamente por sinal, nos padres jesuítas, de comer carne humana) é a China. Os chineses fazem do porco a base de todos os festins, e seus presuntos têm uma qualidade superior à de todos os outros países”.

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Dentro da teoria da conspiração, podemos imaginar que, ao batizarem anteriormente a N1H1 de gripe do porco, os americanos da facção pró-Bush queriam transformar o porco no Osama Bin Laden da mesa. Especialmente em Cuba, onde a carne suína é alimentação básica. E Fidel Castro que morresse de fome.

Caso aconteça uma ojeriza universal em relação ao porco e seus derivados, coitados dos alemães. Antes da gripe N1H1, Fritz e Hanz se encontraram em Munique:

– Minha nossa, acabamos de comer um soberbo porco. Estava excelente. Deixamos apenas, minha nossa, os ossos!

– Quantos eram vocês? perguntou Hanz.

– Éramos dois! respondeu Fritz.

– Dois?

– Sim, o porco e eu!